Antropólogo,
sociólogo e filósofo, Edgar Morin critica o modelo ocidental de ensino e
diz que o professor tem uma missão social, por isso, segundo ele, “é
preciso educar os educadores”.
Na sua opinião, como seria o modelo ideal de educação?
A
figura do professor é determinante para a consolidação de um modelo
“ideal” de educação. Através da Internet, os alunos podem ter acesso a
todo o tipo de conhecimento sem a presença de um professor. Então eu
pergunto, o que faz necessária a presença de um professor? Ele deve ser o
regente da orquestra, observar o fluxo desses conhecimentos e elucidar
as dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando um professor passa uma lição a
um aluno, que vai buscar uma resposta na Internet, ele deve
posteriormente corrigir os erros cometidos, criticar o conteúdo
pesquisado. É preciso desenvolver o senso crítico dos alunos. O papel do
professor precisa passar por uma transformação, já que a criança não
aprende apenas com os amigos, a família, a escola. Outro ponto
importante: é necessário criar meios de transmissão do conhecimento a
serviço da curiosidade dos alunos. O modelo de educação, sobretudo, não
pode ignorar a curiosidade das crianças.
Quais são os maiores problemas do modelo de ensino atual?
O
modelo de ensino que foi instituído nos países ocidentais é aquele que
separa os conhecimentos artificialmente através das disciplinas. E não é
o que vemos na natureza. No caso de animais e vegetais, vamos notar que
todos os conhecimentos são interligados. E a escola não ensina o que é o
conhecimento, ele é apenas transmitido pelos educadores, o que é um
reducionismo. O conhecimento complexo evita o erro, que é cometido, por
exemplo, quando um aluno escolhe mal a sua carreira. Por isso eu digo
que a educação precisa fornecer subsídios ao ser humano, que precisa
lutar contra o erro e a ilusão.
O senhor pode explicar melhor esse conceito de conhecimento?
Vamos
pensar em um conhecimento mais simples, a nossa percepção visual. Eu
vejo as pessoas que estão comigo, essa visão é uma percepção da
realidade, que é uma tradução de todos os estímulos que chegam à nossa
retina. Por que essa visão é uma fotografia? As pessoas que estão longe,
são pequenas, e vice-versa. E essa visão é reconstruída de forma a
reconhecermos essa alteração da realidade, já que todas as pessoas
apresentam um tamanho similar. Todo conhecimento é uma tradução, que é
seguido de uma reconstrução, e ambos os processos oferecem o risco do
erro. Existe um outro ponto vital que não é abordado pelo ensino: a
compreensão humana. O grande problema da Humanidade é que todos nós
somos idênticos e diferentes, e precisamos lidar com essas duas ideias
que não são compatíveis. A crise no ensino surge por conta da ausência
dessas matérias que são importantes ao viver. Ensinamos apenas o aluno a
ser um indivíduo adaptado à sociedade, mas ele também precisa se
adaptar aos fatos e a si mesmo.
O que é a transdisciplinaridade, que defende a unidade do conhecimento?
As
disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas do mundo. A
transdisciplinaridade, na minha opinião, é o que possibilita, através
das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais complexa. O
meu livro “O homem e a morte” é tipicamente transdisciplinar, pois busco
entender as diferentes reações humanas diante da morte através dos
conhecimentos da pré-história, da psicologia, da religião. Eu precisei
fazer uma viagem por todas as doenças sociais e humanas, e recorri aos
saberes de áreas do conhecimento, como psicanálise e biologia.
Como a associação entre a razão e a afetividade pode ser aplicada no sistema educacional?
É
preciso estabelecer um jogo dialético entre razão e emoção.
Descobriu-se que a razão pura não existe. Um matemático precisa ter
paixão pela matemática. Não podemos abandonar a razão, o sentimento deve
ser submetido a um controle racional. O economista, muitas das vezes,
só trabalha através do cálculo, que é um complemento cego ao sentimento
humano. Ao não levar em consideração as emoções dos seres humanos, um
economista opera apenas cálculos cegos. Essa postura explica em boa
parte a crise econômica que a Europa está vivendo atualmente.
A literatura e as artes deveriam ocupar mais espaço no currículo das escolas? Por quê?
Para
se conhecer o ser humano, é preciso estudar áreas do conhecimento como
as ciências sociais, a biologia, a psicologia. Mas a literatura e as
artes também são um meio de conhecimento. Os romances retratam o
indivíduo na sociedade, seja por meio de Balzac ou Dostoiévski, e
transmitem conhecimentos sobre sentimentos, paixões e contradições
humanas. A poesia é também importante, nos ajuda a reconhecer e a viver a
qualidade poética da vida. As grandes obras de arte, como a música de
Beethoven, desenvolvem em nós um sentimento vital, que é a emoção
estética, que nos possibilita reconhecer a beleza, a bondade e a
harmonia. Literatura e artes não podem ser tratadas no currículo escolar
como conhecimento secundário.
Qual a sua opinião sobre o sistema brasileiro de ensino?
O
Brasil é um país extremamente aberto a minhas ideias pedagógicas. Mas a
revolução do seu sistema educacional vai passar pela reforma na
formação dos seus educadores. É preciso educar os educadores. Os
professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros
campos de conhecimento. E essa evolução ainda não aconteceu. O professor
possui uma missão social, e tanto a opinião pública como o cidadão
precisam ter a consciência dessa missão.
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