segunda-feira, 18 de julho de 2016

Nova tecnologia ajuda a estimulação sensorial em crianças autistas

Uma equipe da Universidade de Michigan está desenvolvendo uma pesquisa cujo objetivo é a integração de uma nova tecnologia que proporciona experiências sensoriais às crianças com autismo.

Na verdade, utiliza interfaces táteis com sensores e combinações de luzes, que com o tato podem trocar de cores ou projetar imagens, dependendo da pressão que é feita.

A partir desta tecnologia denominada Sensory Surfaces Social, é possível trabalhar no desenvolvimento de habilidades motoras (motricidade fina e grossa), já que de uma forma muito visual é possível ver os efeitos de seus movimentos.

E a medida que as crianças reagem a estes estímulos, podem integrar outras ferramentas para o desenvolvimento de outras habilidades e ir fomentando a interação social. A ideia final deste projeto é que as crianças possam explorar não só um lugar em que se sintam à vontade e seguras, como diferentes experiências sensoriais.

Esta pesquisa ainda está em desenvolvimento, avaliando como criar cenários que envolvem crianças com autismo, e como adapta-los às necessidades de cada uma delas.

Podemos ver a dinâmica deste projeto no seguinte vídeo:

Entenda o que há de errado com a memória de Dory



P Sherman 42 Wallaby Way, Sydney, NSW. Se você assistiu ao filme Procurando Nemo, lançado pela Disney em 2003, é provável que conheça o endereço memorizado por Dory tão bem quanto o de sua própria casa. No filme, a peixinha azul sofre de perda de memória recente, mas se esforça e consegue guardar o endereço na Austrália, essencial para encontrar Nemo e resolver a trama.

No novo filme do estúdio, Procurando Dory, a peixinha é a protagonista, e parte oceano adentro em busca de seus pais após uma série flashbacks. “Dory tem amnésia anterógrada, ela não consegue registrar as coisas", explica Paulo Mattos, neurocientista do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR). "Isso acontece porque ela provavelmente teve uma hipóxia neonatal, ou seja, ela ficou sem oxigenação no cérebro quando saiu do ovo e sofreu uma lesão em uma região chamada hipocampo."

Há duas regiões no cérebro responsáveis por guardar memórias. Uma é o córtex. Ele é mais resistente, e lá ficam lembranças mais antigas e importantes. Outra é o hipocampo. “Essa é a memória operacional — em inglês, working memory —, que é equivalente à memória RAM do computador”, aponta Mattos. Ou seja, é a memória usada pelo nosso cérebro para interagir com pessoas e objetos.

Nada fica salvo nessa espécie de arquivo temporário. Já pensou se você se lembrasse de cada vez que foi ao banheiro na vida? A finalidade dessa memória é prática: permitir que você, por exemplo, se lembre de pegar o copo d’água em vez de esquecê-lo cheio no filtro e ir embora da cozinha com sede. E é lá que está o problema de Dory.

Toda a memória que está protegida pelo córtex já foi, um dia, uma memória de menor importância, que passou pelo hipocampo. É como se o cérebro analisasse o que fica armazenado nessa pasta de arquivos temporários e elegesse o que é mais relevante para ser guardado no HD. Se seu hipocampo esquece tudo rápido demais, não dá tempo de guardar nada. O resultado é que Dory não se lembra nem de sua infância, nem do que Marlin acabou de lhe dizer.

“O arquivo de memórias mais antigas, chamado córtex cerebral, é muito resistente. É por isso que pacientes de Alzheimer muitas vezes não sabem nem que dia é hoje, mas se lembram do que faziam na infância e do endereço da rua em que moravam”, afirma o médico. “Já os arquivos recentes ficam na região chamada hipocampo, que envelhece e adoece com mais facilidade.”

Uma pessoa que sofra uma parada cardiorrespiratória ou sobrevive a um afogamento também pode perder parte do hipocampo por falta de oxigênio. Mas o que já estava salvo no córtex fica lá. Ela só perderá os registros do que acontecer após o acidente.

Para o professor, a presença de uma personagem com deficiência cognitiva em uma animação é essencial para a sensibilização da sociedade em torno do tema. "É ótimo ter um personagem que fale abertamente sobre isso. Muitas pessoas têm problemas de memória, por várias causas diferentes", ressalta. Com o perdão do trocadilho, lembre disso. 

*Com supervisão de Isabela Moreira

Fonte: Revista Galileu

João Augusto Figueiró, médico: 'Afeto é alimento para o desenvolvimento cerebral'

"Nasci em Cachoeira do Sul (RS), mas saí de lá há 53 anos. Hoje tenho 65. Me formei na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e hoje trabalho na área técnica e científica do Instituto Zero a Seis, que fundei e presido. Meu trabalho é voltado ao desenvolvimento de soluções para a primeira infância e para o período gestacional."

Conte algo que não sei.
É fundamental investir na primeira infância. É o melhor investimento financeiro, porque garante a maior taxa de retorno. Esse é o resultado de 45 anos de trabalho do economista americano James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, em 2000. Para a sociedade, a melhor coisa é investir em desenvolvimento de capital humano do início da vida até o sexto ano, porque aí você consegue maior impacto social e econômico. Os retornos são ainda maiores de 0 a 3 anos. O pesquisador e economista da Universidade Stanford Eric Hanuschek mostrou que 75% do PIB de uma nação resulta de investimentos nesses primeiros anos em processo educativos elementares, como linguagem, matemática, ciências. 

Como os pais podem contribuir para que esses primeiros meses e anos sejam bem aproveitados?
É preciso que saibam que o período de maior interconexão entre os neurônios ocorre nos primeiros 50 minutos de vida . Quanto mais precoce o período, mais importante ele é. Geralmente, as pessoas acham que crianças só têm necessidades quando entram na escola ou começam a falar. Não, porque até ali muita coisa já se construiu. Os primeiros mil dias, desde a concepção, são o período mais importante da construção da vida humana. Depois disso, fica muito difícil, muito caro e pouco eficiente tentar fazer mudanças.

O que é necessário para que uma criança evolua bem?
O cérebro é feito de comida em quantidade e qualidade adequadas. No Brasil, temos 51% das crianças de 0 a 4 anos vivendo sob insegurança alimentar. Essas crianças não têm massa cerebral se constituindo adequadamente. Os resultados estão aí no Brasil que a gente vê.

Qual a importância dos estímulos sensoriais e do afeto?
A criança, mesmo dentro do útero, precisa de estímulos adequados à faixa etária. Eles devem ser de natureza multissensorial. Quando você toca ou massageia uma criança e, ao mesmo tempo, fala com ela e põe um cheiro no ar, você estimula o sistema nervoso, que é a integração de várias áreas. Outra coisa extremamente importante é o convívio, o vínculo afetivo que os cuidadores estabelecem com a criança. Afeto é alimento para o desenvolvimento cerebral e para o desenvolvimento da empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro. A afetividade promove o desenvolvimento de valores morais e promove a evolução ética dos bebês, que se estabelecem nos primeiros 18 meses de vida.

No Brasil, o que dificulta um desenvolvimento infantil de qualidade? Dinheiro ou vontade?
Vontade. A infância é um período da vida humana no qual o individuo não tem voz ativa política e socialmente. Então há uma população de milhões de cidadãos cujos direitos são negligenciados há 516 anos. Esse processo tende a se perpetuar, porque até hoje nenhum governante se ocupou de concretamente executar aquilo que está na Constituição Federal. O artigo 227 diz que é dever da sociedade e do Estado assegurar com absoluta prioridade os direitos da criança. Isso é negligenciado por gestores de todos os âmbitos. 

Como dar um salto na qualidade da educação?
Falta na população em geral a consciência da relevância disso tudo que estamos falando. Como as pessoas não têm ideia de quão impactante isso é na vida de um país, a população também não cobra de maneira incisiva. Então, a informação é o primeiro passo. 

Fonte: Jornal O Globo

'Estudos de neurociência superaram a psicanálise', diz Ivan Izquierdo

 
Com 60 anos de carreira, 22.794 citações em periódicos, 60 premiações e 710 artigos publicados, Ivan Izquierdo é o neurocientista mais citado e um dos mais respeitados da América Latina. Nascido na Argentina, ele mora no Brasil há 40 anos e foi naturalizado brasileiro em 1981. Hoje, coordena o Centro de Memória do Instituto do Cérebro da PUC-RS. 

Suas pesquisas ajudaram a entender os diferentes tipos de memória e a desmistificar a ideia de que áreas específicas do cérebro se dedicariam de maneira exclusiva a um tipo de atividade. 

Ele conversou com a Folha durante o Congresso Mundial do Cérebro, Comportamento e Emoções, que aconteceu dos dias 12 a 15 de junho, em Buenos Aires. Izquierdo foi o homenageado desta edição do congresso. 

Na entrevista, o cientista fala sobre a utilidade de memórias traumáticas, sua descrença em métodos que prometem apagar lembranças e diz que a psicanálise foi superada pelos estudos de neurociência e funciona hoje como mero exercício estético. 

É possível apagar memórias? Ivan Izquierdo - É possível evitar que uma memória se expresse, isso sim. É normal, é humano, inclusive, evitar a expressão de certas lembranças. A falta de uso de uma determinada memória implica em desuso daquela sinapse, que aos poucos se atrofia.
Fora disso, não dá. Não existe uma técnica para escolher lembranças e então apagá-las, até porque a mesma informação é salva várias vezes no cérebro, por um mecanismo que chamamos de plasticidade. Quando se fala em apagamento de memórias é pirotecnia, são coisas midiáticas e cinematográficas. 

O senhor trabalha bastante com memória do medo. Não apagá-las é uma pena ou algo a ser comemorado?
A memória do medo é o que nos mantém vivos. É a que pode ser acessada mais rapidamente e é a mais útil. Toda vez que você passa por uma situação de ameaça, a informação fundamental que o cérebro precisa guardar é que aquilo é perigoso. As pessoas querem apagar memórias de medo porque muitas vezes são desconfortáveis, mas, se não estivessem ali, nos colocaríamos em situações ruins.
Claro que esse processo causa enorme estresse. Para me locomover numa cidade, meu cérebro aciona inúmeras memórias de medo. Entre tê-las e não tê-las, prefiro tê-las, foram elas que me trouxeram até aqui, mas se pudermos reduzir nossa exposição a riscos, melhor. O problema muitas vezes é o estímulo, não a resposta do medo. 

Mas algumas memórias de medo são paralisantes, e podem ser mais arriscadas do que a situação que evitam. Como lidar com elas?
Antes parado do que morto. O cérebro atua para nos preservar, essa é a prioridade. Claro que esse mecanismo é sujeito a falhas. Se entendemos que a resposta a uma memória de medo é exagerada, podemos tentar fazer com que o cérebro ressignifique um estímulo. É possível, por exemplo, expor o paciente repetidas vezes aos estímulos que criaram aquela memória, mas sem o trauma. Isso dissocia a experiência do medo. 

Isso não seria parecido com o que Freud tentava fazer com as fobias?
Sim, Freud foi um dos primeiros a usar a extinção no tratamento de fobias, embora ele não acreditasse exatamente em extinção. Com a extinção, a memória continua, não é apagada, mas o trauma não está mais lá. 

Mas muitos neurocientistas consideram Freud datado.
Toda teoria envelhece. Freud é uma grande referência, deu contribuições importantes. Mas a psicanálise foi superada pelos estudos em neurociência, é coisa de quando não tínhamos condições de fazer testes, ver o que acontecia no cérebro. Hoje a pessoa vai me falar em inconsciente? Onde fica? Sou cientista, não posso acreditar em algo só porque é interessante.
Para mim, a psicanálise hoje é um exercício estético, não um tratamento de saúde. Se a pessoa gosta, tudo bem, não faz mal, mas é uma pena quando alguém que tem um problema real que poderia ser tratado deixa de buscar um tratamento médico achando que psicanálise seria uma alternativa. 

E outros tipos de análise que não a freudiana?
Terapia cognitiva, seguramente. Há formas de fazer o sujeito mudar sua resposta a um estímulo. 

O senhor veio para o Brasil com a ditadura na Argentina. Agora, vivemos um processo no Brasil que alguns chamam de golpe, é uma memória em disputa. O que o senhor acha disso enquanto cientista?
Eu vim por conta de uma ameaça. Não considero um golpe, mas é um processo muito esperto. Mudar uma palavra ressignifica toda uma memória. Há de fato uma disputa de como essa memória coletiva vai ser construída. A esquerda usa o termo golpe para evocar memórias de medo de um país que já passou por um golpe. Conforme essa palavra é repetida, isso cria um efeito poderoso. Ainda não sabemos como essa memória será consolidada, mas a estratégia é muito esperta.