"Nasci em Cachoeira do Sul (RS), mas saí de lá há 53 anos. Hoje tenho
65. Me formei na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e hoje
trabalho na área técnica e científica do Instituto Zero a Seis, que
fundei e presido. Meu trabalho é voltado ao desenvolvimento de soluções
para a primeira infância e para o período gestacional."
Conte algo que não sei.
É fundamental
investir na primeira infância. É o melhor investimento financeiro,
porque garante a maior taxa de retorno. Esse é o resultado de 45 anos de
trabalho do economista americano James Heckman, Prêmio Nobel de
Economia, em 2000. Para a sociedade, a melhor coisa é investir em
desenvolvimento de capital humano do início da vida até o sexto ano,
porque aí você consegue maior impacto social e econômico. Os retornos
são ainda maiores de 0 a 3 anos. O pesquisador e economista da
Universidade Stanford Eric Hanuschek mostrou que 75% do PIB de uma nação
resulta de investimentos nesses primeiros anos em processo educativos
elementares, como linguagem, matemática, ciências.
Como os pais podem contribuir para que esses primeiros meses e anos sejam bem aproveitados?
É
preciso que saibam que o período de maior interconexão entre os
neurônios ocorre nos primeiros 50 minutos de vida . Quanto mais precoce o
período, mais importante ele é. Geralmente, as pessoas acham que
crianças só têm necessidades quando entram na escola ou começam a falar.
Não, porque até ali muita coisa já se construiu. Os primeiros mil dias,
desde a concepção, são o período mais importante da construção da vida
humana. Depois disso, fica muito difícil, muito caro e pouco eficiente
tentar fazer mudanças.
O que é necessário para que uma criança evolua bem?
O
cérebro é feito de comida em quantidade e qualidade adequadas. No
Brasil, temos 51% das crianças de 0 a 4 anos vivendo sob insegurança
alimentar. Essas crianças não têm massa cerebral se constituindo
adequadamente. Os resultados estão aí no Brasil que a gente vê.
Qual a importância dos estímulos sensoriais e do afeto?
A
criança, mesmo dentro do útero, precisa de estímulos adequados à faixa
etária. Eles devem ser de natureza multissensorial. Quando você toca ou
massageia uma criança e, ao mesmo tempo, fala com ela e põe um cheiro no
ar, você estimula o sistema nervoso, que é a integração de várias
áreas. Outra coisa extremamente importante é o convívio, o vínculo
afetivo que os cuidadores estabelecem com a criança. Afeto é alimento
para o desenvolvimento cerebral e para o desenvolvimento da empatia, que
é a capacidade de se colocar no lugar do outro. A afetividade promove o
desenvolvimento de valores morais e promove a evolução ética dos bebês,
que se estabelecem nos primeiros 18 meses de vida.
No Brasil, o que dificulta um desenvolvimento infantil de qualidade? Dinheiro ou vontade?
Vontade.
A infância é um período da vida humana no qual o individuo não tem voz
ativa política e socialmente. Então há uma população de milhões de
cidadãos cujos direitos são negligenciados há 516 anos. Esse processo
tende a se perpetuar, porque até hoje nenhum governante se ocupou de
concretamente executar aquilo que está na Constituição Federal. O artigo
227 diz que é dever da sociedade e do Estado assegurar com absoluta
prioridade os direitos da criança. Isso é negligenciado por gestores de
todos os âmbitos.
Como dar um salto na qualidade da educação?
Falta
na população em geral a consciência da relevância disso tudo que
estamos falando. Como as pessoas não têm ideia de quão impactante isso é
na vida de um país, a população também não cobra de maneira incisiva.
Então, a informação é o primeiro passo.
Fonte: Jornal O Globo
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