segunda-feira, 18 de julho de 2016

Entenda o que há de errado com a memória de Dory



P Sherman 42 Wallaby Way, Sydney, NSW. Se você assistiu ao filme Procurando Nemo, lançado pela Disney em 2003, é provável que conheça o endereço memorizado por Dory tão bem quanto o de sua própria casa. No filme, a peixinha azul sofre de perda de memória recente, mas se esforça e consegue guardar o endereço na Austrália, essencial para encontrar Nemo e resolver a trama.

No novo filme do estúdio, Procurando Dory, a peixinha é a protagonista, e parte oceano adentro em busca de seus pais após uma série flashbacks. “Dory tem amnésia anterógrada, ela não consegue registrar as coisas", explica Paulo Mattos, neurocientista do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR). "Isso acontece porque ela provavelmente teve uma hipóxia neonatal, ou seja, ela ficou sem oxigenação no cérebro quando saiu do ovo e sofreu uma lesão em uma região chamada hipocampo."

Há duas regiões no cérebro responsáveis por guardar memórias. Uma é o córtex. Ele é mais resistente, e lá ficam lembranças mais antigas e importantes. Outra é o hipocampo. “Essa é a memória operacional — em inglês, working memory —, que é equivalente à memória RAM do computador”, aponta Mattos. Ou seja, é a memória usada pelo nosso cérebro para interagir com pessoas e objetos.

Nada fica salvo nessa espécie de arquivo temporário. Já pensou se você se lembrasse de cada vez que foi ao banheiro na vida? A finalidade dessa memória é prática: permitir que você, por exemplo, se lembre de pegar o copo d’água em vez de esquecê-lo cheio no filtro e ir embora da cozinha com sede. E é lá que está o problema de Dory.

Toda a memória que está protegida pelo córtex já foi, um dia, uma memória de menor importância, que passou pelo hipocampo. É como se o cérebro analisasse o que fica armazenado nessa pasta de arquivos temporários e elegesse o que é mais relevante para ser guardado no HD. Se seu hipocampo esquece tudo rápido demais, não dá tempo de guardar nada. O resultado é que Dory não se lembra nem de sua infância, nem do que Marlin acabou de lhe dizer.

“O arquivo de memórias mais antigas, chamado córtex cerebral, é muito resistente. É por isso que pacientes de Alzheimer muitas vezes não sabem nem que dia é hoje, mas se lembram do que faziam na infância e do endereço da rua em que moravam”, afirma o médico. “Já os arquivos recentes ficam na região chamada hipocampo, que envelhece e adoece com mais facilidade.”

Uma pessoa que sofra uma parada cardiorrespiratória ou sobrevive a um afogamento também pode perder parte do hipocampo por falta de oxigênio. Mas o que já estava salvo no córtex fica lá. Ela só perderá os registros do que acontecer após o acidente.

Para o professor, a presença de uma personagem com deficiência cognitiva em uma animação é essencial para a sensibilização da sociedade em torno do tema. "É ótimo ter um personagem que fale abertamente sobre isso. Muitas pessoas têm problemas de memória, por várias causas diferentes", ressalta. Com o perdão do trocadilho, lembre disso. 

*Com supervisão de Isabela Moreira

Fonte: Revista Galileu

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