No desenvolvimento das novas tecnologias, nunca, em toda a
história da humanidade, o homem foi tão poderoso como atualmente. Internet,
EAD, videoconferência, realidade virtual, ciberespaço/cultura, inteligência artificial
etc. É impressionante como, além de vivermos em tempos de produção de todas as
facilitações e grandes propostas de liberdade, vivenciamos a percepção da perda
do tempo para descansar. Todas as exigências culturais e suas criações
tecnológicas acontecem com a idéia de que os indivíduos têm tempo de lazer, de
descanso. Mas o que se observa é que as “máquinas”, cada vez mais ocupam
“lugares” humanos, e este humano, desocupado, não sabe o que fazer de si mesmo
ou de si mesmo com o outro (família, amigos, amores).
Diante desse dilema, os sujeitos ocupam seus tempos com
novas atividades tão cansativas quanto as que fazem no cotidiano rotineiro de
uma semana. Eles renovam o movimento do trabalho de diferentes formas e,
desarmônicos em relação ao próprio corpo físico e mental, embriagam-se pelo
poder, negam seus sentimentos e, vez por outra, deparam-se com a incômoda
sensação de vazio: é a depressão.
Os objetos criados para facilitar o dia a dia, além da ação
confortável do relaxamento, por outro lado e intrinsecamente, investem na
ascensão de um dos grandes pecados capitais, a vaidade, tal e qual Dorian Gray, personagem do livro “O Retrato
de Dorian Gray” de Oscar Wilde. Este (Dorian) engendra a vaidade dentro de um
grande radicalismo, pois, perante a promessa de poder, a inocência, a beleza, o
amor, tudo se corrompe.
As novas tecnologias, pelo seu lado, sem a devida medida,
alimentam a sensação de grandeza e poder dos sujeitos, por terem grande nível
de sedução. Celulares, laptops, computadores, banda larga, etc. seduzem pelo
número de ações que podem oferecer (facilitar) num espaço pequeno e tempo curto.
A sensação é de que os sujeitos estão se tornando verdadeiros ‘Rambos’ armados
até “os dentes” por pura vaidade.
No contexto social, a cada semana, novos aparelhos
apresentam-se ao mercado tecnológico processando mais e mais novidades em seu
uso. E a cada novidade a real necessidade de seu porte não acompanha a
eliminação da novidade anterior, causando abarrotamento de objetos pouco usados
(inúteis) em casa, nas bolsas ou nos lixos. Um exemplo objetivo é o celular.
Hoje em dia, além de eliminar distâncias entre as pessoas, o
celular presentifica o conceito de ‘multimídia’: tira fotos, é webcam, é
aparelho de vídeo e TV, toca música, diverte com vários tipos de jogos, ‘baixa’
mensagens e novas músicas da Internet, ou seja, engloba diversas ações
facilitadoras às “novas” exigências dos indivíduos. Em conseqüência, sempre
cortejados por essas novidades, todos acreditam serem seres especiais. O
celular gera a sensação de pertencimento / status
na mente e no grupo. “Sou especial porque possuo”, acreditam. Ou seja, possuir
torna-se um vício e o acúmulo torna-se pernicioso às personalidades e
temperamentos pela gradativa perda da identidade.
Sem o devido cuidado de todos (pais, professores, técnicos,
teóricos), a cada geração estaremos, mais e mais, falando dos vazios e das
faltas que percebemos nas relações que a juventude vai criando em seus poucos
espaços de independência como bailes, escolas, músicas, festas, viagens. Há uma
falta de consistência e de longevidade nas relações que necessitam de análises
sérias, principalmente, quando, contrariamente, se exige que sejam,
especialmente, brilhantes, atraentes e poderosos. Desta feita, os mais jovens mais
se escondem nas novas tecnologias a que têm livre acesso, com poucos (mínimos)
direcionamentos e inflam egoicamente suas projeções (sonhos, fantasias, vontades
e desejos) na cotidianidade, porque não sabem o que fazer ou que caminhos
tomar.
Palavras como fracasso,
perda ou morte não têm sentidos reais. E mais, à parte de valores,
conceitos, relações veiculadas como ideais, eles ainda são sobrecarregados com
a idéia de que devem ser super-homens e mulheres. Êxito, sucesso, conquistas
materiais e realização pessoal passam a ser expressões sinonímicas e, segundo
aprendem, só são alcançados com muito trabalho, grandes descartes (negações) e
pouco divertimento. Aliás, divertimento, a partir de certa faixa etária, é
quase uma palavra de baixo calão, diante de tais e tantas exigências advindas
da sociedade de consumo. E, dentro desse pensamento, o imaginário sobre o ‘descanso’ (lazer, relaxamento) está altamente
potencializado, porque nunca conquistado ou realizado como se deseja.
Todas essas exigências se apresentam estrategicamente como
fórmulas perfeitas para que o sujeito possa gerenciar seu tempo livre. Criações
tecnológicas criam tempo livre, mas o que fazer com esse tempo livre? Com a
presença das novas tecnologias em diversas profissões ou agilizando (ajudando)
diversas profissões pelo nível de interação, o que fazer com o tempo livre?
Todos os poderes são aceitos por nos entendermos / sabermos
altamente criativos sob diversos aspectos, mas essa certeza cai por terra
quando temos o tempo livre. Num mundo capitalista, ser útil é ser somente trabalhador
profissional. Os sujeitos não se entendem úteis sendo perceptivos de si mesmo,
ou reelaborando-se interiormente para reinvestir em suas funções profissionais
com mais equilíbrio e mais força. ‘Ser útil’ quer dizer ‘ser trabalhador
padrão’, de preferência 24h ao dia, todos os dias.
A partir do século 19, submissão, austeridade e relações de
culpa foram substituídas por maneiras de exibição. Novas tecnologias e
velocidade das informações são outras maneiras de exibição. Dessa linha, surgem
o voyerismo e o narcisismo. As pessoas acham-se voltadas para a sua própria
imagem, estão embriagadas pelo poder e negam seus sentimentos. E o excesso de
trabalho é a forma estratégica encontrada para se manterem abaixo da linha do
suicídio. Porém e, mesmo assim, mostram-se mais sujeitos à depressão e às
sensações de vazio interior.
Dentro do turbilhão do trabalho diário, cada vez mais as
emoções ficam “desinvestidas” da simbologia exterior e ficam muito investidas
na imagem que a pessoa tem dela própria e que é criada em cima de tudo o que
dizem que ela pode ser no mundo. As interações que realizam diariamente
acontecem na expectativa de atrair mais e mais lucro a qualquer preço, sem
dividir. Esse movimento amortece o corpo (adaptação à superestimulação das
grandes cidades: barulho excessivo, ritmo intenso, tensões) e bloqueia as
percepções, ou seja, os indivíduos vêem apenas o que querem ver. É um castelo
de papel que construímos paulatinamente, encobrindo toda e qualquer
sensibilidade e afeto até precisarmos de toda essa atividade e excitação como
parte de nós mesmos e para nos sentirmos vivos. Daí a dificuldade agônica de
aceitar e passar pelo tempo livre.
Na condição
moderna, ao invés das pessoas se abrirem às sensações e aos sentimentos, tenta-se
a insensibilização para não enlouquecer. Perde-se o ritmo entre trabalho e
repouso, já que ação e realização são melhores do que o repouso. Fazer alguma
coisa é melhor que nada. Sem descansar, ficamos desorientados. Envenenados pelo
ímpeto do sucesso a qualquer preço e nossa ‘vida humana’ corre perigo. A
excessibilidade inflige sofrimento a todos. ‘Todos estão/estamos muito
ocupados!’ – dizem/dizemos. E isso é dito com grande orgulho, afinal estamos
dando conta de nossa independência, estamos sendo responsáveis. Junto às novas
tecnologias enfrentamos cada dia de forma voraz e frenética, acreditando nessa
dinâmica como troféu de nossa capacidade de nos multiplicarmos por atividades e
no tempo.
Dentro do tempo livre, não há o mínimo senso do próprio self.
A inutilidade bate à porta de todos. Degradante é a sensação de desconectar-se
de nossa natureza humana para sermos deuses. Que paradoxo! Em par com Prometeu,
a humanidade conseguiu o fogo e dele pôde aquecer sua criatividade. Mas, e
quando só viver for preciso, o que acontece? E quando precisarmos nos
responsabilizar por nós mesmos em tempo livre, o que acontece? E quando
necessitarmos ouvir nossas vozes mais profundas, o que acontece? Nada!
Literalmente, não deveria acontecer nada! Só deveríamos sentir... Acontecerá só
o movimento dos acontecimentos diante da nossa (pré) disposição para senti-los.
Tempo livre é disposição para a ação do nada!
Em tempo livre, não precisaríamos resolver nada...
Precisaríamos descansar, repousar, meditar, rir, brincar, papear... Buscar a
alegria de viver, o sabor da vida, mesmo diante do computador, do laptop, do
vídeo, da TV, do livro. Se permitimos que nossas ferramentas e recursos
maquínicos estabeleçam tempos “para o nada”, aproveitemos essa ausência de
esforço para outros esforços, mas esforços mais interiores, mais identitários,
mais amplos de si e dos outros. Tornar o mundo frutífero é aceitar o espaço de
tempo livre para ouvir as pequenas vozes ao redor.
Atenção: no tempo livre, é que nos lembramos de quem somos
e do que sabemos. Fazer, vez por outra, um pit
stop, é influenciar a ação de lembrar e, com isso, reavaliar nossas
aceitações, nossos aprendizados, nossos conhecimentos, nossas posições e nossas
descobertas. Então: o tempo livre é a dormência necessária para sentirmos nosso
corpo.
O corpo é a nossa tecnologia inicial, principal e final!
Tudo bem?
Vez por outra, por favor, aceitem o tempo livre!
Profa. Claudia Nunes
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