quarta-feira, 3 de junho de 2015

Cérebro 'apaga' informações para dar espaço a novas memórias

Estudos atuais sobre processo de aprendizado estão dando mais ênfase no que nos leva a esquecer

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O cérebro é uma verdadeira maravilha, uma biblioteca aparentemente infinita, cujas prateleiras guardam nossas memórias mais preciosas, assim como todo conhecimento que adquirimos ao longo da vida. Mas existe um momento em que ele atinge sua capacidade? Em outras palavras, pode o cérebro ficar “cheio”?

A resposta é um sonoro não, porque, bem, cérebros são mais sofisticados do que isso. Estudo publicado este ano na “Nature Neuroscience” mostra que, ao invés de lotar o cérebro, informações velhas são “expulsas” para que novas memórias sejam formadas.
Estudos comportamentais anteriores mostraram que o aprendizado de novas informações podem levar ao esquecimento. Mas, neste estudo, pesquisadores usaram técnicas de neuroimagem para demonstrar pela primeira vez como isto se dá no cérebro.
Os autores do artigo partiram para investigar o que acontece no cérebro quando tentamos lembrar informações que são muito similares ao que já sabemos. Isto é importante porque informações semelhantes têm maior probabilidade de interferir com o conhecimento já existente, e é o tipo de coisa que provoca lotação sem ser útil.


Eles descobriram que quando a memória alvo era lembrada mais frequentemente, a atividade cerebral se elevava. Enquanto isso, a atividade cerebral para a memória competidora decrescia. Esta mudança era mais proeminente em regiões próximas da frente do cérebro, como o córtex pré-frontal, do que em estruturas-chave da memória no meio do cérebro, como o hipocampo, que são tradicionalmente associadas à perda de memória.
O córtex pré-frontal está envolvido em uma grande gama de complexos processos cognitivos, como o planejamento, a tomada de decisões e a recuperação seletiva de memórias. Pesquisas mostram que esta parte do cérebro trabalha em combinação com o hipocampo para recuperar memórias específicas.

Se o hipocampo é o mecanismo de busca, o córtex pré-frontal é o filtro que determina que memória é mais relevante. Isto sugere que o armazenamento de informações sozinho não é suficiente para uma boa memória. O cérebro também precisa ser capaz de acessar as informações relevantes sem ser distraído por pedaços de informações competidoras similares.

Na vida do dia a dia, o esquecimento na verdade tem claras vantagens. Imagine, por exemplo, que você perdeu seu cartão de banco. O novo cartão que você receberá virá com uma nova senha. Pesquisas sugerem que cada vez que você lembra a nova senha, você gradualmente esquece a antiga. Este processo melhora o acesso à informação relevante, sem a interferência de memórias antigas.

E a maioria de nós é capaz de se identificar com a frustração de ter memórias antigas inteferindo com memórias novas e relevantes. Considere tentar lembrar onde você estacionou seu carro no mesmo estacionamento que esteve uma semana antes. Este tipo de memória (em que você está tentando lembrar uma informação nova, porém similar) é particularmente suscetível a interferências.

Quando adquirimos novas informações, o cérebro automaticamente tenta incorporá-las com informações existentes formando associações. E quando recuperamos estas informações, tanto a informação desejada quanto a informação associada, mas irrelevante, são lembradas.

A maioria das pesquisas anteriores se focaram em como aprendemos e lembramos de novas informações. Mas os estudos atuais estão começando a colocar uma maior ênfase nas condições sob as quais esquecemos à medida que sua importância está sendo mais notada.
Um número muito pequeno de pessoas é capaz de lembrar de quase todos os detalhes de sua vida. Elas têm a síndrome de hipertimesia. Se fornecidas uma data, elas são capazes de nos contar onde e o quê estavam fazendo naquele dia em particular. Embora possa parecer um dom para muitos, as pessoas com esta rara condição consideram esta habilidade incomum um fardo. Algumas relatam não serem capazes de pensar no presente ou no futuro por causa da sensação de estarem constantemente vivendo no passado, aprisionadas por suas memórias. E isso é o que todos nós poderíamos experimentar se não tivéssemos um mecanismo de “apagar” informação que não são mais relevantes e que, de fato, “lotariam” nossos cérebros.

Do outro lado do espectro está um fenômeno chamado “esquecimento acelerado de longo prazo”, observado em pacientes epiléticos e vítimas de derrames. Como o nome sugere, estas pessoas esquecem informações novas aprendidas muito mais rápido, algumas vezes em poucas horas, do que seria considerado normal. Acredita-se que isto representa o fracasso em “consolidar” ou transferir novas memórias para a memória de longo prazo. Mas este processo e o impacto desta forma de esquecimento ainda foram muito pouco explorados.

O que estudos nesta área estão demonstrando é que lembrar e esquecer são os dois lados de uma mesma moeda. De certa forma, esquecer é a maneira como nossos cérebros selecionam as memórias, de modo que as memórias mais relevantes estejam prontas para serem recuperadas. O esquecimento normal talvez seja um mecanismo de defesa para assegurar que nossos cérebros não fiquem muito cheios.




Fonte: O Globo


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