Alguns chamam isso de diversidade neurológica, outros veem como uma revanche contra o preconceito que sempre cercou os autistas.
Expressando
a convicção de que "a inovação vem das bordas", a empresa alemã SAP,
gigante na área de software, lançou no mês passado uma campanha de
recrutamento dirigida para atrair pessoas com autismo a trabalhar como
testadores de software.
Uma semana depois, a empresa americana de
financiamento Freddie Mac anunciou uma segunda rodada de estágios
remunerados, voltados especificamente para alunos autistas ou
recém-formados com a mesma condição.
As
duas multinacionais dizem que esperam aproveitar os talentos únicos das
pessoas autistas, como também conceder a elas, anteriormente
marginalizadas no mercado de trabalho, uma oportunidade para prosperar
no emprego.
"Somente por meio da contratação de pessoas
que pensam de forma diferente e desencadeiam a inovação, a SAP estará
preparada para lidar com os desafios do século 21", disse Luisa Delgado,
do departamento de Recursos Humanos da empresa.
Para
Ari Ne'eman, presidente da Autistic Self Advocacy Network (ASAN), com
sede em Washington (EUA), e membro do Conselho Nacional dos Estados
Unidos sobre Deficiência, as mudanças são bem-vindas e bem atrasadas.
“Precisamos
ver a diversidade neurológica da mesma forma como vimos, no passado, os
esforços para a diversidade no local de trabalho, com base em raça,
gênero e orientação sexual", disse ele.
Estima-se que os
distúrbios do espectro autista, incluindo a síndrome de Asperger ou
autismo de alto funcionamento, podem afetar cerca 1% da população
mundial. Os distúrbios são causados por uma combinação de fatores
genéticos e ambientais e pode variar de retardo mental grave, com uma
profunda incapacidade de se comunicar, a sintomas relativamente leves,
combinados com alguns altos níveis de funcionamento, como aqueles
observados em pessoas portadoras da síndrome de Asperger.
Entre as principais características do autismo estão
habilidades de comunicação deficientes e dificuldades de interação
social. No autismo de alto funcionamento, recursos como foco intenso ou
obsessivo e atenção constante aos detalhes também são comuns.
Estas
qualidades, dizem os especialistas, bem como uma capacidade de abordar
um problema de uma maneira diferente – muitas vezes de uma forma
criativa ou contraditória – fazem as pessoas autistas serem
potencialmente atraentes como empregados em grandes corporações.
"Historicamente,
parece haver uma certa percepção de que essa população é incapaz de
realizar trabalhos de nível corporativo," disse à Reuters o gerente de
diversidade da Freddie’ Mac’s.
"Na realidade, autistas
oferecem muito a uma organização disposta a pensar fora da caixa e ver
este quadro de talentos como um 'valor agregado'”.
Obsessão e sucesso
Joshua
Kendall, autor do livro "Obsessivos da América", argumenta que alguns
dos maiores negócios americanos da história – e também alguns líderes
políticos – em parte tiveram sucesso por conta dos traços obsessivos de
personalidade.
"Essas grandes empresas não estão fazendo
por bondade no coração. Estão fazendo isso agora porque perceberam que
estavam perdendo alguma coisa”, disse ele em uma entrevista por
telefone.
Kendall disse que a questão crucial do
recrutamento é provar o sucesso e a sustentabilidade dele. E também o
quanto a sociedade vai tentar acomodar pessoas que pensam
diferentemente das outras.
"São pessoas que têm sido
tradicionalmente rotuladas como deficientes. Então nós queremos
tratá-las ou queremos permitir que elas sejam quem são e nos adaptarmos a
elas?”
A empresa alemã SAP diz que sua campanha global de
recrutamento de autistas, que visa empregar 650 pessoas – em torno de 1%
de sua força de trabalho – até 2020, vem depois de projetos-piloto de
sucesso na Índia e na Irlanda. É um projeto colaborativo com a
Specialisterne, uma consultoria dinamarquesa que coloca pessoas com
autismo em empregos onde elas possam brilhar.
Ne'eman
diz que até agora a maioria das empresas que manifestaram interesse nos
trabalhadores autistas tendem a ser nas áreas de ciência, tecnologia,
engenharia em matemática. No futuro, ele diz que espera que o sucesso
deles incentivem outras a tomar conhecimento sobre o assunto.
"Muitos de nós podem e têm sucesso em uma grande variedade de profissões", disse ele.
"Eu, por exemplo, sou uma pessoa autista trabalhando em políticas públicas, o que certamente não é um campo estereotipado."
Na
Grã-Bretanha, apenas 15% dos adultos com autismo têm um emprego em
tempo integral, diz Carol Povey, diretora da Sociedade Nacional de
Autistas da Grã-Bretanha – apenas uma fração daqueles que poderiam
contribuir para o mercado de trabalho, acrescenta ela.
Nos Estados
Unidos, de acordo com Ne'eman, não tem sido feito estudos sobre a vida
profissional de pessoas autistas, por isso dados comparativos não
estão disponíveis.
"É ótimo ver as organizações não apenas fazendo
responsabilidade social corporativa, mas, na verdade, reconhecendo que
existe um bom negócio por trás de ter mais autistas no mercado de
trabalho", disse Povey.
"Essas pessoas vão contribuir para a eficácia e o crescimento do negócio."
*Por Kate Kelland
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