quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Irmãos superdotados superam falta de recursos e incentivos no Distrito Federal


Em Ceilândia, uma das regiões com mais alto índice de violência do Distrito Federal, Sandra e Valdemir Rodrigues Barros têm um desafio diferente dos normalmente enfrentado pelos pais. Desde que o filho mais velho, Jean, nasceu, há 12 anos, tiveram de aprender a lidar com crianças curiosas, precoces e extremamente inteligentes.

Jean andou com nove meses de vida, começou a falar na mesma época e, aos 3 anos, já lia com fluência. Adorava ganhar cadernos de presente para desenhar – as folhas vazias acabavam em dois dias, repletas de belas figuras. Os pais se revezavam entre se espantar com a precocidade do menino e se orgulhar da capacidade e inteligência da criança.

Mesmo sem muitos recursos financeiros ou conhecimento especializado, os pais buscaram estimular o filho como podiam. Davam brinquedos pedagógicos, gibis e livros para colorir. “Ele sempre teve facilidade para absorver informações. Por isso, eu sempre procurei conversar muito com ele, ensinar o que eu aprendi”, conta a mãe orgulhosa.

Na segunda série da educação infantil, a professora chamou Sandra. Achava que Jean Michel não deveria estar naquela turma. “Ela disse que ele estava muito avançado em relação às outras crianças de 4 anos e me explicaram que seria melhor se ele fosse adiantado”, conta. Jean foi para a 1ª série do ensino fundamental.

O resultado foi ainda melhor. Quanto mais era estimulado, mais aprendia. Não teve problemas de adaptação com os colegas. Por recomendação da escola, Jean foi encaminhado ao serviço especializado em identificar talentos e habilidades de cada um, oferecer atividades para estimulá-las e acompanhar as famílias das crianças.

Na sala de recursos desde 2009, Jean foi diagnosticado como uma criança superdotada. Ele participa de encontros semanais junto com outras crianças que também têm altas habilidades e, desde então, já escreveu um pequeno livro, ganhou um concurso nacional de poesia e duas medalhas de bronze de diferentes edições da Olimpíada Brasileira de Astronomia.

Diagnóstico difícil
A família de Jean faz parte de uma minoria no País em todos os sentidos. Primeiro, porque poucos estudantes superdotados são identificados nas escolas brasileiras. Menos de 10 mil alunos têm superdotação de acordo com os dados do Censo Escolar. Além disso, nem todos recebem atendimento diferenciado como Jean.

Com a ajuda das psicólogas, Sandra e Valdemir puderam compreender melhor o que significava todo o talento de Jean. Conseguiram ajudar a identificar a mesma superdotação no filho caçula, Mizael, de 7 anos, que seguiu os passos do irmão. Começou a ler na mesma época que ele, pulou uma série, adora desenhar e pretende tocar bateria no futuro.

Sandra, que não trabalha fora de casa, acompanha todas as tarefas dos meninos. O pai, que é cobrador de ônibus, também. Os dois se preparam para enfrentar o desafio de ter dois superdotados em casa, já que Mizael também foi diagnosticado.

“A gente é só orgulho. Mas sempre falamos que não podem deixar a sabedoria subir à cabeça e fazer eles se sentirem melhores que os outros. Eles têm de servir de exemplo, ainda mais em um lugar tão cheio de problema como o que a gente vive”, comenta a mãe.

A pedagoga Renata Rodrigues Maia-Pinto, que acabou de concluir uma tese de doutorado sobre o tema no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), afirma que ainda é muito difícil identificar as crianças com superdotação. Os professores não estão preparados para perceber os sinais e não há psicólogos nas escolas.

Segundo ela, algumas características são semelhantes nos superdotados. Mas nem todas as crianças apresentam todas elas e o diagnóstico pode ser de difícil conclusão. “Em geral, eles têm notas muito altas na escola, têm um interesse quase obsessivo em alguns temas, são muito criativos, têm fluência verbal e de ideias”, diz.

Jogados à própria sorte
A pesquisadora Renata Maia critica a falta de apoio do governo e da iniciativa privada aos projetos de suporte aos superdotados. “Há potencial para oferecer um bom atendimento, mas os professores são muito desassistidos, não têm apoio financeiro e nem político. Esses talentos podem se perder, desperdiçados. Essas crianças são largadas à própria sorte”, afirma.

Uma das experiências vividas por Jean exemplifica a afirmação de Renata. Na última edição da olimpíada de Astronomia, ele não conseguiu se preparar para a prova. Em casa, não tem livros sobre o tema. Também não tem internet. A escola, que também não tem obras de Astronomia na biblioteca, passou meses em greve. Com isso, os encontros foram suspensos.

“Uma semana depois que as aulas tinham voltado, a professora disse que tinha de aplicar a prova. Falou que quem quisesse podia fazer e eu fiz”, conta. Jean apostou no conhecimento que já tinha adquirido e conseguiu uma medalha de bronze na competição. “A professora ficou surpresa quando eu ganhei”, diz, tímido.

A mãe, Sandra, gostaria de poder oferecer muito mais aos filhos. Para o ano que vem, ela conseguiu uma vaga em um curso de inglês gratuito para ele. Queria poder colocá-lo em uma escola de música em que pudesse aprimorar as habilidades para tocar teclado e cantar. Além disso, sonha em poder oferecer aulas de bateria e futebol a Mizael.

“A gente gostaria de poder investir mais neles, oferecer mais. Infelizmente, tudo envolve dinheiro e aí dificulta”, desabafa a mãe. Sandra admite que, no início, não compreendeu muito bem o que o filho fazia na sala de recursos. Agora, defende o espaço, que também será frequentado por Mizael. “Lá ele consegue focar no que gosta, se estimula”, diz.

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