Em Ceilândia, uma das regiões com mais alto índice de
violência do Distrito Federal, Sandra e Valdemir Rodrigues Barros têm um
desafio diferente dos normalmente enfrentado pelos pais. Desde que o
filho mais velho, Jean, nasceu, há 12 anos, tiveram de aprender a lidar
com crianças curiosas, precoces e extremamente inteligentes.
Jean andou com nove meses de vida, começou a falar na
mesma época e, aos 3 anos, já lia com fluência. Adorava ganhar cadernos
de presente para desenhar – as folhas vazias acabavam em dois dias,
repletas de belas figuras. Os pais se revezavam entre se espantar com a
precocidade do menino e se orgulhar da capacidade e inteligência da
criança.
Mesmo sem muitos recursos financeiros ou conhecimento
especializado, os pais buscaram estimular o filho como podiam. Davam
brinquedos pedagógicos, gibis e livros para colorir. “Ele sempre teve
facilidade para absorver informações. Por isso, eu sempre procurei
conversar muito com ele, ensinar o que eu aprendi”, conta a mãe
orgulhosa.
Na segunda série da educação infantil, a professora
chamou Sandra. Achava que Jean Michel não deveria estar naquela turma.
“Ela disse que ele estava muito avançado em relação às outras crianças
de 4 anos e me explicaram que seria melhor se ele fosse adiantado”,
conta. Jean foi para a 1ª série do ensino fundamental.
O resultado foi ainda melhor. Quanto mais era estimulado,
mais aprendia. Não teve problemas de adaptação com os colegas. Por
recomendação da escola, Jean foi encaminhado ao serviço especializado em
identificar talentos e habilidades de cada um, oferecer atividades para
estimulá-las e acompanhar as famílias das crianças.
Na sala de recursos desde 2009, Jean foi diagnosticado
como uma criança superdotada. Ele participa de encontros semanais junto
com outras crianças que também têm altas habilidades e, desde então, já
escreveu um pequeno livro, ganhou um concurso nacional de poesia e duas
medalhas de bronze de diferentes edições da Olimpíada Brasileira de
Astronomia.
Diagnóstico difícil
A família de Jean faz parte de uma minoria no País em
todos os sentidos. Primeiro, porque poucos estudantes superdotados são
identificados nas escolas brasileiras. Menos de 10 mil alunos têm
superdotação de acordo com os dados do Censo Escolar. Além disso, nem
todos recebem atendimento diferenciado como Jean.
Com a ajuda das psicólogas, Sandra e Valdemir puderam
compreender melhor o que significava todo o talento de Jean. Conseguiram
ajudar a identificar a mesma superdotação no filho caçula, Mizael, de 7
anos, que seguiu os passos do irmão. Começou a ler na mesma época que
ele, pulou uma série, adora desenhar e pretende tocar bateria no futuro.
Sandra, que não trabalha fora de casa, acompanha todas as
tarefas dos meninos. O pai, que é cobrador de ônibus, também. Os dois
se preparam para enfrentar o desafio de ter dois superdotados em casa,
já que Mizael também foi diagnosticado.
“A gente é só orgulho. Mas sempre falamos que não podem
deixar a sabedoria subir à cabeça e fazer eles se sentirem melhores que
os outros. Eles têm de servir de exemplo, ainda mais em um lugar tão
cheio de problema como o que a gente vive”, comenta a mãe.
A pedagoga Renata Rodrigues Maia-Pinto, que acabou de
concluir uma tese de doutorado sobre o tema no Instituto de Psicologia
da Universidade de Brasília (UnB), afirma que ainda é muito difícil
identificar as crianças com superdotação. Os professores não estão
preparados para perceber os sinais e não há psicólogos nas escolas.
Segundo ela, algumas características são semelhantes nos
superdotados. Mas nem todas as crianças apresentam todas elas e o
diagnóstico pode ser de difícil conclusão. “Em geral, eles têm notas
muito altas na escola, têm um interesse quase obsessivo em alguns temas,
são muito criativos, têm fluência verbal e de ideias”, diz.
Jogados à própria sorte
A pesquisadora Renata Maia critica a falta de apoio do
governo e da iniciativa privada aos projetos de suporte aos
superdotados. “Há potencial para oferecer um bom atendimento, mas os
professores são muito desassistidos, não têm apoio financeiro e nem
político. Esses talentos podem se perder, desperdiçados. Essas crianças
são largadas à própria sorte”, afirma.
Uma das experiências vividas por Jean exemplifica a
afirmação de Renata. Na última edição da olimpíada de Astronomia, ele
não conseguiu se preparar para a prova. Em casa, não tem livros sobre o
tema. Também não tem internet. A escola, que também não tem obras de
Astronomia na biblioteca, passou meses em greve. Com isso, os encontros
foram suspensos.
“Uma semana depois que as aulas tinham voltado, a
professora disse que tinha de aplicar a prova. Falou que quem quisesse
podia fazer e eu fiz”, conta. Jean apostou no conhecimento que já tinha
adquirido e conseguiu uma medalha de bronze na competição. “A professora
ficou surpresa quando eu ganhei”, diz, tímido.
A mãe, Sandra, gostaria de poder oferecer muito mais aos
filhos. Para o ano que vem, ela conseguiu uma vaga em um curso de inglês
gratuito para ele. Queria poder colocá-lo em uma escola de música em
que pudesse aprimorar as habilidades para tocar teclado e cantar. Além
disso, sonha em poder oferecer aulas de bateria e futebol a Mizael.
“A gente gostaria de poder investir mais neles, oferecer
mais. Infelizmente, tudo envolve dinheiro e aí dificulta”, desabafa a
mãe. Sandra admite que, no início, não compreendeu muito bem o que o
filho fazia na sala de recursos. Agora, defende o espaço, que também
será frequentado por Mizael. “Lá ele consegue focar no que gosta, se
estimula”, diz.
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