Andreia Pereira Gil, balançando no pátio da EMEF Doutor João Alves dos Santos.
Foto: Kriz Knack
Sensações. É por meio delas que as pessoas com deficiência múltipla
aprendem sobre as coisas que estão a sua volta. A professora Carolina
Bosco, especialista nesses casos, estimula a descoberta da sensibilidade
com diversos tipos de toque e movimento, como numa recente cena vista
na EMEF Doutor João Alves dos Santos, em Campinas, a 90 quilômetros de
São Paulo. Ela dá a mão para Andréia equilibrar-se numa mureta. A menina
apóia-se no seu braço para descer e as duas vão de mãos dadas até o
pátio. A aluna abraça uma árvore e passa a mão sobre a casca. O contato
arranca de Andréia um raro sorriso.
A cena não chamaria tanta atenção se não fosse o jeito diferente de
ser da jovem. Ela gira a cabeça, baba e vive com o braço direito
levantado. O grande desafio em relação a Andréia é criar um modo de
comunicação para que ela reconheça lugares e pessoas. Foi a tarefa
assumida por Carolina. A menina também conta com a ajuda de Carmen
Sílvia Dias, sua professora da 2ª série, onde tem 30 colegas. Ambas
procuram maneiras de explicar por que ela vai à escola e o que todos
fazem por lá.
Carolina formou-se em Pedagogia com ênfase em Deficiência Mental na
Universidade de São Paulo e é pós-graduada em Arte em Educação Especial
pela Universidade de Paris. Ela já havia trabalhado com alunos com
deficiência múltipla (associação de duas ou mais deficiências, como
mental e física ou auditiva, visual e física), mas Andréia é a primeira
que atende em escola regular. Ali, elas cumprem um cronograma,
religiosamente, toda segunda, quarta e sexta-feira. É quando Andréia
mexe com sucata, aprende a escovar os dentes, caminha pelo pátio da
escola, sente a vibração da música colocando as mãos sobre um rádio
portátil e brinca no balanço. "É um trabalho de reorganização corporal,
percepção tátil e de volume", diz Carolina. Aos poucos, a menina aprende
a lidar com o próprio corpo.
Carmen foi a única professora da escola que se dispôs a acolher
Andréia. A menina está com ela desde a 1ª série. "No começo, parecia que
seria impossível controlá-la. Ela levantava no meio da aula e mexia em
tudo", diz. "Não sabia usar o tato para se comunicar e logo se cansava
de ficar na carteira apalpando o alfabeto móvel." Por isso, a união do
trabalho de Carmen e Carolina fez a diferença. "Uma criança com
deficiência precisa de dois professores", afirma Carolina. "O de classe,
que atua na área da aprendizagem de maneira geral, e o especializado,
que trabalha na dos distúrbios." Por isso, enquanto Carolina desperta o
lado comunicativo de Andréia, Carmen cria atividades para integrá-la à
turma. Na roda da conversa, onde as crianças desabafam até sobre o
desgosto de ser banguelas, Carmen abriu um espaço para elas interagirem
com a colega surdocega. Como Andréia está aprendendo a usar o toque para
reconhecer as pessoas, cada um pensou num sinal só seu que ela pudesse
sentir. Daiane Gomes de Lira, 8 anos, sempre conduz a mão de Andréia
para seus cabelos crespos: é a marca que a identifica. A professora
Carolina, por sua vez, faz a menina pegar em seu anel.
Também é pelo tato que Andréia começa a entender a rotina da escola.
"Para iniciar qualquer atividade, mostra-se o ambiente onde ela está",
diz Carolina. Na sala de aula, no começo do dia, fazem-na apalpar a
porta, a lousa e o giz. Aos poucos, a menina demonstra mais confiança em
quem a toca. "Já permite com mais facilidade que movimentem sua mão
direita", conta a professora.
Tempos atrás, ela puxaria o braço em sinal de rejeição. Afinal, habituou-se desde criança a mantê-lo levantado para mexer a mão em frente ao olho direito, talvez para perceber as luzes que a pouca visão permite. "Para ela, é como se fosse uma sensação de prazer", diz Carolina. "Nosso desafio é fazê-la baixar o braço para ela recuperar o equilíbrio do corpo", afirma o professor de Educação Física Renato Horta Nunes, que faz a aluna andar de mãos dadas com os colegas durante as aulas.
Prazer maior que esse Andréia só encontra no balanço da escola.
Quando está nele, embalada, chega a gargalhar (mesmo sem nunca ter visto
ou ouvido alguém fazer isso). Estica-se e joga-se para a frente e para
trás, segurando a corda com firmeza. "É como se ela reordenasse o
equilíbrio do corpo", explica Carolina. Um ano atrás, a menina chegava à
escola no colo da mãe ou do irmão, ficava descalça e perambulava pelos
corredores sem destino. Com a chegada de Carolina, Andréia já usa uma
colher para comer, segura o copo ao tomar água, lava as mãos e fica
sentada em sua carteira durante as aulas.
Fonte: Nova Escola
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