Uma cena: “Mãe
entra por dentro da escola a procura de seu filho. Ninguém sabe dele, ninguém o
viu. Ela está preocupada. Ele nunca fez isso. Enquanto a acalmam, alguns
professores tentam conversar com colegas da turma dele para encontrar pistas.
Ninguém o viu naquele dia. Mãe chora muito. Professores tensos. De repente um
aluno lembra: o celular do garoto tem GPS. Depois de muitas tentativas, atravessam
a rua. Lívio estava com dedos megadoloridos e muito suado. Depois que saíra de
casa, o ar condicionado da lanhouse tinha estourado e o jogo estava quase no
fim”.
Vício. Estamos na era
do vício digital. Sujeitos em formação encontraram no ambiente virtual um mundo
cheio de possibilidades de SER e ESTAR. De novo os jogos são o up desse momento. São cérebros em
formação em busca do prazer cotidiano mesmo com a estatização do corpo e o
frenesi do córtex virtual.
Na internet, há
provocações intensas dos sentidos e às múltiplas conexões neuronais. E
dependendo do tempo, ritmo e repetição, as determinações genéticas podem ser
influenciadas ou engatilhadas. E ai as dimensões sociais e psicológicas,
principalmente, sofrem determinadas disfunções. É preciso ter cuidado.
Convivemos com tecnologias desde tempos imemoriais, mas atualmente estas
tecnologias inseriram a característica da velocidade em todas as dimensões
humanas.
Comportamentos,
posturas, atitudes inauguram outras configurações na relação do sujeito com
todos ou com ele mesmo. A primazia do prazer em SER e ESTAR em ambiente virtual
reafirma, por exemplo, nossa capacidade de nos tornarmos viciados / de cair na
rotina / de estabelecer zonas de conforto. Com isso torna-se frágil o argumento
de que as novas tecnologias (computador, internet e suas ferramentas ou
aplicativos) tornaram a geração aprendente, na escola desde a década de 80,
insípida, superficial, sem foco ou atenção.
Devemos lembrar que
tudo depende. Há sim uma fugacidade
nas formas com que os cérebros conseguem assimilação as informações porque esta
nossa grande tecnologia natural tem tido mais elementos para descartar do que
para ‘trabalhar’ internamente.
O que aconteceu com
nosso personagem Lívio? Ele é reflexo do montante de imersões, em ambientes
virtuais, em busca do lúdico, do divertimento, e este muito relacionado ao seu
interesse, preferência e desejo. Somos seres predispostos ao encontro e
permanência com o prazer sempre. Logo, ao lado de uma escola, uma lan house cheia de novidades
relacionadas aos artefatos tecnológicos do século XX e XXI é o gatilho certo
para este cérebro ávido de aprendizagens significativas, simplesmente ser
atraído.
Prazer é resultado de
melhor funcionamento de nosso sistema de recompensa. Somos humanos em busca de
doses dopaminérgicas de autoestima, amor, solidariedade e, principalmente
realização de nossos interesses e desejos.
Lívio gosta da
escola, mas o outro mundo ou outros mundos são mais animados, criativos,
alegres e gestam curiosidade e atenção constante em seus sentidos,
principalmente o córtex visual. O processo de ‘mudar o caminho’, se desvirtuar
de ‘algumas responsabilidades’ é lógico, afinal o que ele está fazendo de mal?
O choque de gerações
sempre aconteceu. A mãe jamais entenderá a mudança de comportamento e de caminho.
Ela já carrega em si experiências em que reconhece, NO FUTURO, consequências
ruins à continuidade desses atos. Normal perfeito. Mas e o Lívio? Em que
patamar fica o desejo do Lívio? Crianças não podem e nem devem ser
desrespeitadas em suas emoções, movimentos e formas de aprender. Nem
desrespeitadas, nem ignoradas. Suas ações são reações às informações que
recebem em todos os ambientes em que interagem, então elas se testam, testam,
correm riscos, experimentam com poucos medos.
A mãe precisará de tempo
para entender, mas a escola precisa revê-se rapidamente: não importa como o
professor ensina, importa como seu aluno aprende. E este princípio se relaciona
com atendimento das expectativas dos alunos ao entrarem na escola. É necessário
tentar entender esta plasticidade cerebral, seus interesses e formas de
aprender. Por que Lívio saiu do seu caminho e entrou na lanhouse? Esta é a pergunta-base.
Particularmente ele
foi em busca do seu prazer. Em se sabendo esta resposta, outra pergunta se
instaura: se ele está na lanhouse, o
que ele acessa mais? Jogos, vídeos, sites de relacionamento ou de bate-papo? Esta
observação (e possível anamnese) pode favorecer o professor, por exemplo, a
criar e desenvolver práticas de ensino mais focalizadas, pontuais e
significativas.
Leitores, tudo é bom
e tudo depende, sabe por que? Porque em tudo é preciso limites. Cérebros em
formação tem sua circuitaria neuronal tensionada se carregada com excesso de
informações ou de realizações, ou, ao contrário, se ganharem liberdade demais
para SER e AGIR. Conexões neuronais de qualidade se constroem respeitando e
dando limites à chegada das novidades, à realização dos desejos e à performance
relacional no dia a dia. O cérebro segue aprendendo porque aprender ocorre no
cérebro mesmo.
Quanto tempo Lívio
passa na Internet ou em determinado site? Isso é importante esclarecer. Se ele
tem muita liberdade ‘internética’ em casa, a decisão de ir à lan house é natural. Já se ele tem
proibições ‘internéticas’ radicais em casa, de novo, a lan house é quase
shangrilá e, de novo, um lugar de ida e permanência natural. E ai assim, há a
perda de certas habilidades.
Sem tempo offline, o
cérebro não reestrutura tudo o que assimila. Sem tempo offline real e
duradouro, a questão social entra em desequilíbrio e instaura-se o ‘sem
sentido’. Lívio jogava. Lívio estravazava suas emoções. Lívia desanuviava a
mente. Lívio perdeu a hora. A composição do seu mundo real, na visão do outro
(mãe e professores) estava deficiente. Mas ele era livre.
No mundo virtual, ele
era o mundo; ele era o controlador de tudo, menos do tempo. Em metáfora,
podemos dizer que, ali, o que somos (genética) era transformado por quem somos
quase sem controle: experiência relacionada com o desejo e a necessidade de.
Nós todos nos
esquecemos do tempo quanto o tempo é de prazer. E pior, ficamos egoístas: o
tempo de prazer é um tempo de posse. Laços ou relacionamentos virtuais ganham
importância em detrimento dos laços e relacionamentos em ambiente real. Há
mudança cerebral. Então antes de condenar às tecnologias ao limbo dos maus
agouros da nossa contemporaneidade, devemos pensar no tempo: tempo de acesso,
imersão, interação em ambientes virtuais.
Profa.
Claudia Nunes
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