O
pedopsiquiatra Christopher Gillberg, pioneiro na investigação sobre
esta condição esteve em Lisboa para participar no congresso
internacional do CADin. Ao DN falou do seu trabalho e do que pode ser
feito para melhorar a vida destas pessoas.
O diagnóstico de autismo ainda não é exatamente fácil. Porquê?
Porque
pode apresentar-se de muitas formas diferentes desde o primeiro
momento. Pode afetar as capacidades motoras precoces ou causar atrasos
na linguagem ou generalizados, ou apresentar-se através de reações
exacerbadas a estímulos sonoros, por exemplo e portanto, torna-se
difícil no início dizer, isto é autismo. É sobretudo importante olhar
para o desenvolvimento da criança como um todo. Para um pai, algo de
preocupante no desenvolvimento da sua criança que se prolongue no tempo,
por exemplo, durante mais de seis meses, deve levá-lo a procurar um
especialista que observe a situação.
Foi um dos pioneiros na investigação nesta área. O que o interessou no autismo?
Comecei
por fazer investigação em défice de atenção e hiperatividade, mas ainda
os anos de 1970, comecei a verificar que algumas destas crianças tinham
problemas desse tipo. Nessa altura, o autismo era coisa muito
misteriosa, que as pessoas acreditavam em geral que era causado por uma
mãe que rejeitava o filho. Eu tinha a meu cargo essa área também e
conheci todos aqueles pais que não encaixavam nesse padrão e fiquei
interessado em perceber o que estava realmente a passar-se. Naquela
época quase ninguém fazia investigação em autismo. Tive sorte de
conseguir financiamento para trabalhar na área e tornou-se logo claro
desde os primeiros trabalhos que que há uma série de problemas nesta
condição que não podem ter a ver com o facto de a mãe ser distante ou
algo desse género.
Quatro décadas depois dessas investigações, o autismo ainda está envolto em mistério?
Sim,
mas já não é tão misterioso como as pessoas ainda pensam que é. O
autismo não é uma doença, embora algumas doenças possam causar autismo.
Mas isso também é verdade para o défice de atenção, que não é uma
doença, ou um problema cognitivo, que também não é doença. O autismo é
uma condição. Muitas pessoas, talvez sete a 10% da população em geral,
são do tipo autístico: são menos interessadas em interações sociais,
preferem estar sozinhas a conviver e poderão falar dos seus próprios
interesses mas, em geral, não querem dos seus interesses das outras
pessoas. Eventualmente, uma cada dez pessoas é assim. Dentro desse
grupo, os seus filhos, se algo mais acontecer, como uma infeção grave
durante a gravidez, ou uma insuficiência de vitamina D, por exemplo, ou a
toma de alguma medicação, terão mais probabilidade de ter autismo
acompanhado de problemas ou distúrbios, se outra doença acontecer. Será
então autismo, porque há essas características, mas são os outros
problemas que lhe estão associados que são mais importantes, como os que
afectam a linguagem, por exemplo. Isso é mais importante do que ser um
pouco estranho do ponto de vista social, mas as pessoas concentraram-se
tanto na questão da sociabilidade, que isso acabou por ficar um pouco de
lado.
O que está na origem de uma personalidade autista? Podemos dizer que isso radica no cérebro?
Sim,
tudo está representado no cérebro, em termos de comportamento e de
cognição. As pessoas nascem um pouco, muito, ou nada dentro do espectro
do autismo. Mas há este equívoco de que o autismo explica os problemas
de linguagem, o atraso motor, o baixo QI, ou a epilepsia, mas não é
assim. Esses problemas surgem para lá do autismo. O problema não é o
autismo, mas cada um dos problemas por si.
Muitas crianças são hoje diagnosticadas com défice de atenção. De repente parece uma epidemia. Como é que isso se explica?
Antes
não dispúnhamos desse diagnóstico, não se sabia o que era mas
certamente haveria tantos casos como hoje. Hoje quando uma criança é
diagnosticada com autismo, por exemplo, o autismo em si é leve, e são os
outros problemas associados que são o verdadeiro problema. Mas o
diagnóstico de autismo é importante porque isso garante que os pais e a
família têm acesso a apoio. Mas, feito um diagnóstico de autismo, é
importante pensar nos outros problemas que podem estar associados e para
os quais muita coisa pode ser feita em termos de intervenção e que
produz melhoras. Por exemplo, há uma variedade de terapias excelentes
para tratar sintomas de défice de atenção, desde o treino de memória nas
crianças mais pequenas a intervenções na área do desporto, como as
artes marciais.
E se a criança em causa não falar sequer? Há casos severos de autismo em que isso acontece.
Se
o problema for o autismo, não há um problema de linguagem real, a menos
que haja um problema severo de linguagem, para além do autismo. O
autismo em si não tem a ver com a linguagem. Não conseguir falar, não é
causado pelo autismo. Portanto, aí é necessário intervir especificamente
no problema da linguagem. Mas também é preciso dizer que haverá sempre
crianças que não chegarão a falar porque têm disfasia, são raros, mas
existem e faça-se o que fizer, nunca chegarão a falar. Mas alguns deles
poderão aprender a comunicar através de algum dispositivo.
As sociedades modernas estão hoje mais preparadas para lidar com este tipo de problemas?
Estão. Hoje, desde logo, sabe-se mais sobre o assunto, as pessoas ouviram falar, conhecem e aceitam que esses problemas existem.
O que é preciso ainda estudar para compreender melhor este tipo de condição e os seus problemas associados?
Há
um subgrupo de pessoas no espectro do autismo, por exemplo, que têm um
problema específico: não conseguem reconhecer a expressão facial das
emoções e, portanto, não conseguem decifrar as emoções no rosto das
outras pessoas. Essa capacidade é representado numa área particular do
cérebro, que no caso dessas pessoas não está a funcionar bem. É a área
fusiforme do cérebro, que é altamente especializada nessa função. Se ela
tiver uma malformação ou estiver destruída por um tumor, ou tiver sido
danificada por causa de uma infeção - sabe-se que o herpes pode afetar
especificamente esta área - não é possível aprender a fazer esse
reconhecimento, ou deixa de se conseguir fazê-lo. Este é um problema
comum em pessoas com autismo e não acontece noutras situações. Este
grupo precisa de uma abordagem específica, para treinar esta capacidade,
porque talvez a pouca função que tenham possa ser treinada se a
intervenção for suficientemente precoce. Sabemos de outras condições
que, se as intervenções forem suficientemente precoces e focalizadas, é
possível obter grandes melhoras.
Quando fala de intervenção precoce refere-se a que idades?
A
minha esperança é que nos próximos anos estes problemas possam ser
reconhecidos em idades tão precoces como o ano meio. Por exemplo, para
os dois anos temos uma nova aplicação com rostos esmiles em as crianças
têm de aprender a identificar as emoções. E conseguimos demonstrar que o
que acontece na aplicação refete-se nesta área do cérebro. Se pudermos
fazer estes treinos com este tipo de dispositivos, aquela área do
cérebro pode melhorar o seu desempenho. O autismo nunca pode ser
totalmente curado, mas pode sempre haver uma intervenção positiva, mesmo
que o diagnóstico seja tardio.
Mas nos casos mais severos, em que não há comunicação sequer com as crianças, o que é possível fazer?
Sim,
há situações em que não se pode fazer muito. Mas se o caso é tão
severo, então não é só autismo e é necessária nova avaliação para
identificar exatamente que outros problemas haverá. Pode haver epilepsia
não diagnosticada, por exemplo. Um certo número desses casos severos
têm epilepsia não diagnosticada. Tenho visto inúmeros casos em que uma
vez diagnosticada e medicada a epilepsia, a situação melhora muito. Nos
casos mais severos, é necessário fazer mais avaliações. Não se sabia
nada disto há 20 anos.
No futuro, como vai desenvolver-se a investigação nesta área do autismo?
Uma
das áreas que vai desenvolver-se será, sem dúvida, a que diz respeito a
novas formas de treino para as pessoas que não diferenciam emoções
faciais, por exemplo. Teremos de identificar biomarcadores para
diferentes subgrupos de pessoas com problemas específicos, como este. É
preciso encontrar formas de ajudar estas pessoas a treinar as
capacidades em falta, ou até encontrar novas medicações.
Da sua experiência em todos estes anos, qual foi o maior avanço conseguido em relação ao autismo?
Foi,
sem dúvida, o facto de termos saído de uma situação de total
obscuridade para a que temos hoje, em que é absolutamente normal falar
disso.
Fonte: DN.PT
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