A corrida de aplicações da técnica Crispr-Cas9, que permite recortar e
editar o DNA, está em velocidade tão surpreendente quanto foi sua
chegada revolucionária no mundo da ciência. Um estudo nos EUA conseguiu
recuperar parcialmente a visão de ratos cegos com a troca de genes
defeituosos por genes saudáveis. É inédito o feito sobre células
adultas.
Na China, células editadas foram injetadas pela
primeira vez em humanos para o tratamento de um paciente com câncer de
pulmão. De maneira simplificada, a técnica permite eliminar partes indesejadas do genoma -
que causam doenças, por exemplo. E caso necessário, é possível inserir
novas sequências no local. Os cientistas fazem com o código genético o
mesmo que fazemos com palavras em um editor de textos no computador.
O uso da Crispr-Cas9 é visto como grande esperança para o tratamento de
uma série de doenças genéticas, como distrofia muscular, hemofilia e
fibrose cística.
Ratos recuperaram parte da visão
No
estudo feito por pesquisadores do Instituto Salk, na Califórnia, ratos
adultos tiveram o código genético programado para ter uma forma de
cegueira chamada retinite pigmentosa, ou retinose pigmentar. A doença é
caracterizada pela existência de genes defeituosos que causam a
degeneração da retina e a cegueira.
Esses genes das células da
retina, que não podem mais se dividir, foram editados e consertados após
o nascimento dos ratos. A não-divisão é uma característica das células
que compõem a maioria dos tecidos desenvolvidos --como o cérebro,
coração, rins e fígado.
"Pela primeira vez, pudemos entrar em células que não se dividem e
modificar o seu DNA à vontade. As possíveis aplicações desta descoberta
são vastas", disse Juan Carlos Izpisua Belmonte, que liderou a pesquisa,
em reportagem do Guardian. O estudo foi publicado na revista Nature. Para o cientista, a técnica poderá ser testada em seres humanos em um ou dois anos.
Já pesquisadores da Universidade de Sichuan, na China, realizaram a
primeira aplicação da técnica em humanos. Eles coletaram o sangue de um
paciente com câncer de pulmão e desativaram um gene das células
imunológicas que bloqueia a resposta imune. Ao injetarem as células
modificadas, os cientistas pretendem fazer com que o câncer deixe de se
proliferar. A pesquisa também foi publicada na Nature.
Com as pesquisas mais recentes, trocar genes defeituosos por funcionais em crianças e adultos tornou-se algo mais próximo.
Recortando e colando
O Crispr-Cas9
pode ser entendido como uma "tesoura" que recorta partes precisas do
DNA e cola outras combinações de genes, consertando sequências
danificadas. A técnica utiliza uma enzima para recortar o DNA e
uma guia molecular, que é programada para indicar com precisão a seção
que receberá o corte.
Na pesquisa do Instituto Salk, um vírus
foi o responsável por levar o kit de ferramentas do Crispr-Cas9 até as
células da retina dos ratos cegos. A intervenção foi feita quando os
ratos tinham três semanas de vida. A técnica consertou os genes
defeituosos que levavam à cegueira.
Para os pesquisadores, o
tratamento teria eficácia ainda maior se a "manutenção" fosse feita mais
cedo, quando a retina ainda não estava muito danificada. A aplicação em
humanos depende, dentre outras coisas, de ganho de eficiência, já que
só cerca de 5% das células defeituosas foram corrigidas com sucesso nos
ratos.
Já no estudo da Universidade de Sichuan, a edição de células foi feita
fora do organismo, utilizando-se o sangue coletado. Elas foram
cultivadas, multiplicadas e injetadas no paciente com câncer de pulmão. A
intervenção faz com que as células deixem de codificar a proteína PD-1,
que está ligada ao bloqueio da resposta imunológica. Sem esse bloqueio
natural, a esperança é a de que os glóbulos brancos possam atacar o
câncer e eliminá-lo.
A equipe de Lu You, que lidera a pesquisa,
está monitorando a evolução da doença, ainda sem resultados da eficácia
do tratamento. O estudo possui como objetivo principal testar a segurança do uso da técnica do Crispr-Cas9 em humanos. Garantir que o processo não causa danos ao organismo é fundamental para o avanço da tecnologia.
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