Amauri Betini
Bartoszeck* - Departamento de Fisiologia, Laboratório de Neurociência &
Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba-PR; Instituto Superior do
Litoral do Paraná, ISULPAR, Paranaguá, PR.
Resumo
A presente apresentação, inicialmente, define
e descreve as subdisciplinas que compõem as neurociências com potenciais
aplicações educacionais para indivíduos identificados com altas habilidades.
Objetiva-se uma breve introdução morfofuncional ao sistema nervoso que serve de
pano de fundo para auxiliar o entendimento da ponte teórico-experimental da
relação de neurociências e altas habilidades. São salientados aspectos da base
evolucionista e biológica, que conjectura-se possam estar estruturados nos
circuitos neuronais, subjacentes aos padrões de realce da sensibilidade
auditiva e eficiência da memória. Discute-se como se dá a codificação da
informação, formas de detectar associações e analogias, exemplificando-se
regiões cerebrais envolvidas no pensamento matemático. São analisadas
modificações estruturais e a dinâmica da plasticidade sináptica subjacentes à
“talentosidade” e como a base genética interage com as experiências do
ambiente. São também discutidos métodos tecnológicos usuais na identificação de
crianças e adolescentes com indicação de superdotação. Avaliam-se
comparativamente características de crianças “prodígios e savants”. São
listadas perguntas motivadoras e instigantes para o aprofundamento de pesquisas
em neurociências que possam consolidar o conhecimento de como áreas do cérebro
processam de modo vantajoso o raciocínio e aprendizagem, com implicações para
educadores. Conclui-se a palestra com sugestões de métodos alternativos de
ensino, enfatizando-se exemplos de aplicações práticas na área de ciências
biológicas.
Introdução
As neurociências constituem uma das áreas do
conhecimento biomédico, que utiliza os achados e dados empíricos de suas subáreas,
tais como a neuroanatomia (estudo das estruturas neurais), a neurofisiologia
(estudo experimental da função dos circuitos neuronais), a neuroendocrinologia
(interação do tecido neural com as glândulas endócrinas), o
neurodesenvolvimento (estudo do crescimento e maturação do tecido neural), a neurociência
cognitiva (estudo da aprendizagem e memória), a neuro[psico] farmacologia (estudo
das substâncias neuro-farmacológicas), o neuroimageamento (registro da
atividade neural durante tarefa cognitiva) e psicologia evolucionista
(investiga a história evolutiva dos comportamentos animais) a fim de esclarecer como funciona o sistema
nervoso em sua abrangência total (Lent, 2001; Kandel et al., 2002; McCrone,
2002; Aamodt & Wang, 2009).
Neurobiologia do cérebro
O conhecimento do cérebro no nível básico é
relevante porque os pesquisadores estão paulatinamente desvendando, com muito
esforço, os “mistérios” estruturais e funcionais deste órgão vital. É
igualmente relevante, para a área de neuro-cognição, pois há novos “insights”
de como crianças e adolescentes, e mesmo na fase de bebês, aprendem (Bradsford
et al, 2000; Silberg, 2003). Além disso, se há períodos denominados “críticos”
ou “sensíveis” para a aquisição de funções de alto nível, na escala de Benjamin
Bloom, se faz urgente averiguar (Bloom, 1956; Bailey et al., 2001; Crowe et
al., 2008). Ademais, é importante para os educadores, visto que de posse deste
tipo de conhecimento, poderão descobrir ou adaptar maneiras de enriquecer a
experiências escolares, não só de crianças superdotadas e criativas, mas também
do estudante mediano, do disléxico, e enfim todos aqueles cuja capacidade não é
adequadamente avaliada pelo teste do QI ou outras medidas convencionais
(Perkins, 1995). É de fundamental importância saber como a criança aprende para
incrementar como lhe é ensinado (Saint-Onge,1999). Faz-se mister, que os pais
estejam cientes, que as drogas no período pré-natal e o consumo de bebidas
alcoólicas, nutrição maternal e a posterior interação com os recém-natos, possam
afetar o cérebro em desenvolvimento (Nathanielsz, 1999).
A sociedade presume que o bebê nasce com uma
capacidade intelectual fixa, isto é, alguns com capacidade média e uns poucos
com capacidade realçada ou limitada de aprender. Contudo, a evidência neurocientífica aponta,
que a formação dos circuitos neuronais, mais importantes, se expandem após o
nascimento e dependem das experiências que a criança vivencia (Gopnik et al.,
1999). O estudo do desenvolvimento e dos primeiros anos da infância mostra que
alguns neurônios aumentam a “arborização” e expandem seus processos regulados
por genes contidos nos cromossomas (Greenough, 1991; Slater & Lewis, 2002;
Begley, 2007; Carroll et al., 2008). Assim, parte das estruturas mais
primitivas do cérebro herdadas evolutivamente de nossos antepassados regula o
automatismo do batimento cardíaco, freqüência respiratória e controle da
temperatura corporal. Desta feita, algumas áreas do cérebro continuam a se
desenvolver rapidamente, em particular, as conexões que respondem aos estímulos
nos três primeiros anos de vida (Bruer, 1999). Em suma, a aprendizagem no seu nível mais
elementar, é um processo resultante de alterações neuroanatômicas e
neuroquímicas, semi-permanentes ou permanentes na citoarquitetura cerebral. Por outro lado, a eficiência com a qual o
cérebro “aprende” informação nova ou faz um ajuste na informação prévia, para
adequar-se às novas circunstâncias ambientais, depende do grau de engajamento
no contexto de aprendizagem em que se encontra o aprendiz ( Assmann, 2004;
Rose, 2006).
Altas habilidades e Biologia do Cérebro
O cérebro humano tem seu crescimento e
desenvolvimento desde o período pós-natal até, em média, a idade de sete anos e
amplia suas ligações sinápticas bem além da segunda década. Desta forma, o
córtex de associação pré-frontal, cujas áreas estão envolvidas com o
planejamento antecipatório e regulação do comportamento emocional, continuam a
se desenvolver até a idade de 20 anos. O cérebro de meninos e meninas, mais
inteligentes submetidos ao teste do QI, verificou-se que ele se desenvolve de
maneira diferente (James, 2007; Relvas, 2009). O estudo indicou um atraso na
maturação e espessura da camada do córtex pré-frontal (função executiva), em
amostra de mais de 300 crianças e adolescentes de 6 a 19 anos. Estes estudantes
foram avaliados por ressonância magnética funcional (fRMI) e outras técnicas de
neuroimagem (Blakemore & Frith, 2005). Constatou-se que o crescimento do
córtex pré-frontal é mais lento, só atingindo o tamanho máximo em média em
torno dos 11 anos, enquanto o grupo comparativo de QI, mediano, isto já se dá
aos 8 anos. O que parece uma deficiência, na realidade é uma vantagem, pois é
uma estratégia programada para a formação de conexões (sinapses) múltiplas e
mais complexas. Desta forma aumenta a velocidade do processamento da informação
(Le Doux, 2002). Assim, na puberdade estas crianças de QI mais alto mostram,
através de exames, córtex com maior espessura, do que as crianças da mesma
faixa etária (Keverne, 2004).
Características comuns de pensadores com altas habilidades (AH)
A memória e aprendizagem, ou se memória é
aprendizagem, é outra preocupação educacional a qual a neurociência, está
procurando esclarecer. No seu aspecto mais básico a aprendizagem é o processo
para a aquisição da memória. Porém, processos neurológicos complexos ocorrem
para transferir a informação recém obtida e transferi-la para o “banco” de
memória de longa duração (consolidação), onde fica armazenada para ser usada de
maneira inovadora e imprevisível. De fato o cérebro possui múltiplos sistemas
de memória, distribuídos nas estruturas do cérebro, os quais desempenham papéis
específicos (Izquierdo, 2002; Longoni, 2003). Por exemplo, o sistema da memória
motora entra em ação para o desenvolvimento de habilidades físicas como o
simples andar, prática de exercícios físicos, dança. Por seu turno, o sistema
da memória emocional influencia a aprendizagem da música e outros estímulos
podem ajudar o educador prescrever ambientes, que conduzam tanto para as
crianças ditas “normais” como àquelas que necessitam educação especial. Por sua
vez, pensadores com AH, precocemente apresentam realce no padrão de
sensibilidade, mais especificamente, musicalidade qual seja, violinistas
respondem mais ao som do violino, trompetistas ao trompete. Observa-se também,
realce na memória de curta duração (de trabalho), na eficiência e capacidade de
reter detalhes de gravuras, ilustrações, fotos, sons.
Evolução do cérebro e altas habilidades
O cérebro triádico
Às vezes a pessoa fica frustrada porque não
obtém a cooperação, que precisa, dos familiares, amigos, colegas de trabalho da
empresa ou escola onde trabalha arduamente das segundas às sextas-feiras.
Zanga-se porque eles parecem não aquilatar a importância das coisas, que fazem
e parecem agir irracionalmente. Tal comportamento pode ter uma explicação
simples: está em franca atividade o “cérebro reptiliano”.
A teoria do “cérebro triádico”, idealizada
por Paul MacLean, postula, que evolutivamente, o ser humano possui “três cérebros”,
formados por camadas sobrepostas, ou seja, algo no formato, contemporaneamente,
pode-se dizer “três em um”. Esta teoria talvez possa explicar, em parte, nosso
comportamento e daqueles que nos cercam nos locais de trabalho e no ambiente em
geral, inclusive o educacional (Lambert, 2003).
O cérebro reptiliano
Durante o desenvolvimento embrionário do feto,
no interior do útero materno, observa-se uma repetição dos “passos”
evolucionistas pelo que passou o cérebro dos vertebrados na trajetória rumo a
maior complexidade observada notadamente nos primatas. A parte mais básica é o
tronco cerebral (Karp & Berrill, 1981). Este emaranhado de circuitos
neurais é considerado pela teoria de P. MacLean, como sendo o cérebro
reptiliano. É avaliado como muito primitivo na sua estruturação da circuitaria
neuronal, um resquício de nosso passado evolutivo pré-histórico. Responde
prontamente aos estímulos com resposta adequada, não sofisticada. O cérebro regula as funções
do corpo, reações que asseguraram e continuam a fazê-lo para nossa
sobrevivência. É extremamente útil para reações rápidas, sem pensar muito. O
cérebro reptiliano centra-se em ações de quando o indivíduo está em perigo,
quer se “safar” logo, sem muitas delongas!
Naquele mundo primevo da sobrevivência do
mais apto ou mais sagaz, essa porção do cérebro canalizava ações de como obter
comida e não ser “alimento” de predador eventual, enfrentar oponente, ou
parlamentar, ou dependendo fugir. Esta porção do cérebro é mais movida pelo
“medo/temor” e assume o controle do que fazer, quando a pessoa sente-se ameaçada
(real ou imaginariamente) ou quando percebe a sensação iminente de morte. Com o
passar do tempo evolutivo, uma camada de neurônios de características
“olfatórias” sobrepôs-se à estrutura do cérebro primitivo. A capacidade
expandida do sensorial olfatório, baseada em feromonas nos organismos mais
simples, melhorou a possibilidade de sobrevivência do indivíduo. O animal
aprendeu a discriminar alimento comestível do tóxico, avaliar melhor presa de predador,
e conseqüentemente a tomada de decisão frente a situações, do que comer ou
evitar (Cartwright, 2001).
O cérebro “felino”
Gradualmente o “cérebro olfatório” tornou-se
o âmago para outra sobreposição de camadas de células neuronais à medida que o indivíduo
interagia com o meio. Esta nova projeção cresceu no formato de “anel” ao redor
do tronco cerebral, e passou a ser chamada de “sistema límbico”. No decorrer do
tempo essa estrutura neural evoluiu progressivamente, lançando conexões para o
hipocampo primitivo. Houve um refinamento nos processos de aprendizagem & memória em certos
mamíferos e primatas. O alimento deixou de ser meramente saudável ou tóxico e
passou a ser discriminado como “bom” ou “ruim”, com repercussões até os dias
atuais. Este cérebro olfatório primitivo tornou-se a base rudimentar, que
originou posteriormente o neocórtex e as divisões pré-frontais. Com o
crescimento das ramificações, o sistema límbico passa a ser a fonte do “prazer”
das “emoções & sentimentos”
afetando o humor e as funções orgânicas do indivíduo, como um todo (LeDoux,
2000; Newman & Harris, 2009).
O neocórtex
É a parte mais evoluída do cérebro triuno, a
“lâmina pensante” o cérebro do Homo
sapiens sapiens mostra substancial crescimento e complexidade no sistema de
colunas e arranjos dos neurônios e glia em termos evolutivos relativamente
recentes. Consiste em grande medida, de camada fina de neurônios do neocórtex,
que “envelopa” as estruturas abaixo (Allman, 2000). Permite-nos particularmente
pela ativação da porção do córtex pré-frontal, o planejamento de longo prazo,
tomada de ações estratégicas, a função executiva.
O neocórtex é o “oceano do pensamento” (raciocínio),
compreensão, arte e imaginação. Junta sutileza e elegância à vida emocional. O
desejo e o prazer sexual são maquinados no sistema límbico, mas é o neocórtex,
entretanto, que gera a afeição maternal, o que não se observa em vertebrados
inferiores. É esse liame, de mútua proteção entre pais e filhos, que assegura
os cuidados da prole durante o período da longa infância nos primatas em geral,
mas mais particularmente no caso humano. Como já enfatizado, o cérebro
reptiliano primitivo está intimamente relacionado com as funções instintivas
básicas. Embora o neocórtex seja voltado para a ação racional, por exemplo, o
pensamento, o sistema límbico pode rapidamente assumir o comando em situações
de emergência (Kandel et al., 2003). Em situações de perigo o que o organismo
deseja é resposta imediata, age o instinto de sobrevivência, e não longas
deliberações filosóficas!
Evolução e psique
A evolução além de selecionar as
características físicas do indivíduo melhor adaptadas ao meio ambiente
pretérito, também selecionou mecanismos psíquicos mais vantajosos para lidar
com situações sociais da época. Assim, vê-se que nosso cérebro não foi
selecionado para viver num ambiente urbano, altamente tecnológico como o atual.
Para as funções básicas do cérebro, que organiza a homeostasia do corpo, isto
é, as condições do ambiente interno e os processos dos mecanismos reguladores
pela retroalimentação, isto não importa, mas para outras, como a ativação
crônica do sistema de alarme, pode ser desastroso para o organismo, como
manifestações inesperadas de ansiedade (Morgan, 1982, 1995; Barondes, 1998;
Cartright, 2001; Pinel, 2005; Fox, 2007).
A maioria das hipóteses da evolução do
cérebro dos vertebrados sugere que os cérebros maiores em proporção a massa do
corpo, se correlacionam com maior habilidade cognitiva. As pressões adaptativas
para tal habilidade presumem-se, devem ter vindo de variáveis ecológicas, pois
o conhecimento e localização de fontes alimentares dependiam de mapas
cognitivos complexos. Da mesma forma, e particularmente, nos primatas de vida sociais
mais evoluídos, requeria a armazenagem desta informação nas estruturas da
memória. O processamento da informação espacial é particularmente ativado nos
circuitos neurais do hipocampo, sendo que nas espécies animais que armazenam e
escondem alimentos, é sobremaneira volumoso. Por sua vez, nos primatas de
intensa vida social, e que vivem em grupos, incluindo os antecessores do homem
atual, a estrutura neural mais volumosa é o neocórtex (Dunbar, 1992; Roth &
Dicke, 2005).
A precocidade intelectual (fenômeno
internacional) conjectura-se está baseada na psique humana (programada no
genoma), como resultado da evolução da linguagem, com finalidade de coesão
social do grupo (Barrett et al., 2002). Assim, na sociedade proto-humana, onde
a linguagem estava começando a se desenvolver, uma pessoa com superioridade no
uso desta linguagem, poderia ter compreensão privilegiada da relação entre os
membros do grupo, e ser vista com potencial poder de manipular, explorar e
distorcer a estabilidade das relações sociais (Pinker, 1994ª; 1994b). Tal
indivíduo poderia ser percebido de possuir poderes injustos de persuasão,
gerando medo nos demais, e que pudesse usufruir de vantagens sociais
incompatíveis (Dunbar, 1996; Geake, 2000).
Atualmente, as pessoas com altas habilidades
intelectuais, em geral, são vistas como tendo um passaporte para a educação
superior e empregos bem remunerados e de prestígio, desde que possam usufruir
de sólidos programas de apoio (Freitas, 2006). O contraponto é que em certos
setores educacionais e da comunidade, tem-se a visão que o aluno com altas
habilidades, embora brilhante, seja arrogante, autoconfiante e auto-centrado, e
que portanto não precisaria de orientação.
Evolução da mente
A mente é considerada uma “entidade” que foi
construída com lentidão temporal, que em função de um substrato biológico
extremamente complexo, gera o processo mental. Nos humanos os domínios da
mente, tais como social, lingüístico, naturalista estão integrados, permitindo
a emergência do pensamento simbólico, sendo extremamente primitivo nos
antepassados hominídeos. Assim, a mente do chimpanzé e a mente humana, além da
diferença do grau de complexidade, mostram profunda diferença estrutural (
Deacon, 1997; Mithen, 1998; Ornstein, 1998; Rapchan, 2005). O mecanismo de
internalizar a experiência advinda da interação com o meio ambiente, torna-se
básico para a construção da mente. Funções superiores do cérebro, tais como
memória, sono & sonho,
linguagem, pensamento, emergem da configuração de grupos neuronais interagindo
com estímulos internos &
externos oriundos do meio (Carter, 2002). Desta feita, o sistema nervoso mais
complexo, é como se fosse uma interface, que permite o indivíduo organizar a
informação captada pelos canais sensoriais, e transformá-la em significado. O
complexo cérebro-mente lida com a informação inicialmente no plano dos
receptores sensoriais. Assim, se tivéssemos uma banana, suas qualidades físicas
seriam analisadas e decodificadas pelo indivíduo, de acordo com a experiência,
aprendizagem e memória anterior, como forma, cor, se está madura, lembrança do
sabor, (Levitan & Kaczmarek, 1997). Depois as informações são processadas
na esfera intra-cerebral e se atribui significado no nível semântico. Então, a
banana pode ser vista como meramente uma fruta saborosa, ou se fazer cogitações
sobre suas qualidades nutricionais, aos turbantes de Carmen Miranda ou alusão
pejorativa à “Banana Republics”. A mente tenta decodificar o mundo e dar-lhe
ordem e significado (Varela et al.,1991; Rose, 1992). A imprecisão e a
contradição são inerentes ao raciocínio humano. Na dúvida, procura-se pelo
pensamento difuso, nebuloso de lidar com a imprecisão e a ordem & desordem das coisas e
eventos (Herbert, 1993; Harth, 1993; Greenpan & Benderly, 1997). Essa forma
de pensamento busca alternativas por meios de raciocínio “desconstrutivo”,
conduzindo a criatividade (Hofstadter, 1980; Demo, 2002; Edelman, 2006).
Eficiência na codificação de informação de entrada
O binômio cérebro & mente é uma entidade biológica. A cognição
pode ser vista como uma função do cérebro, a semelhança de como a regulação cardiovascular
é uma função do sistema cardiovascular, dependente das variáveis de pressão sanguínea, freqüência
cardíaca e resistência periférica. Assim, estímulos do ambiente disparam
mecanismos biológicos já presentes no sistema nervoso, e como conseqüência
alterações na estrutura e função neural. A relação entre estímulo e resposta é
de caráter evolutivo acumulado na história de cada espécie animal ou vegetal. Por
exemplo, a experiência altera a estrutura dos neurônios, a taxa de potencial
sináptico, a circuitária do cérebro. Então, a informação de entrada, captada
pelos órgãos sensoriais, modifica a descarga de neurotransmissores, a estrutura
dos elementos pré &
pós-sinápticos e portanto, a informação de saída no circuito ou coluna neural. Em
suma, o meio-ambiente seleciona características e processos já existentes no
sistema nervoso do indivíduo levando a alterações.
A organização da estrutura neural pode ser
dividida nos níveis da genômica, molecular, sináptico, celular os quais estão
subjacentes e geram o comportamento e as funções mentais do indivíduo (Black,
1992). Em termos de aplicação para pessoas
com altas habilidades, significa que um maior número de áreas cerebrais são
usadas na codificação inicial da informação de entrada, memória de trabalho
mais “eficiente” e atenção para resolver problemas complexos (a informação fica
mais tempo na mente).
Manifesta-se por realce no reconhecimento e
recordação de padrão, prática e repetição leva a perfeição, como por exemplo,
aprendizagem manual bilateral: pianistas versus não-pianistas. Usam várias
áreas cerebrais para tarefas especiais, por exemplo, prodígio em matemática resolvendo
tarefa complexa. Maior número de associações e analogias pode resultar em
processamento da informação mais lento, porém com inúmeras ligações, maiores
possibilidades de escolhas. Há tendência de focar em lacunas do conhecimento
(Dehaene & Cohen, 2007). Sob a perspectiva de atenção “criativa” pode
desenrolar na elaboração de metas, planos e tomadas de decisão. Além disso, grau
de abstração, simplificação de situações complexas, elaboração de análises,
prioridades de idéias, convergência de pontos em comum. O individuo de altas
habilidades aprecia “sistemas”, categorias, raciocínio dedutivo verbal,
aprendizagem por conceitos, exatidão e dedução por formalismo matemático, e
muitas vezes dotado de notável memória verbal e semântica (Moraes & Torre, 2004).
Neuroplasticidade e “talentosidade”
Quando o indivíduo vivencia certa
experiência, este evento altera as conexões neurais. Determinada experiência
faz com que haja descarga de potenciais de ação (impulsos elétricos) nos
circuitos que detectaram esta experiência, especialmente se foi significativa.
Descargas de potenciais de ação repetidas levam a mudanças estruturais nas sinapses
neuronais, as quais tornam-se permanentes. Neste caso, ocorre aumento de
ramificações, do volume, da densidade, da área sináptica, número dos receptores
e concentração dos neurotransmissores. A organização funcional do cérebro do
indivíduo é a resultante da competição por domínio de espaço funcional no mapa
cortical. Como a circuitaria cerebral não é fixa e sim maleável, estes mapas
corticais podem se alterar visivelmente no período de dias ou semanas. Estudos
com registro de respostas por
neuroimagem (fMRI) documentaram alterações em pacientes que sofreram acidente
vascular cerebral, e recuperaram parcialmente seus movimentos após sessões de
fisioterapia (Mark et al., 2006). Assim, neuroplasticidade é a capacidade do
cérebro alterar-se fisicamente inclusive com estimulação cognitiva. Torna-se um
importante conceito na educação das crianças desde a pré-escola até as séries
iniciais do ensino fundamental, mas não se esgota, pois acompanha a vida da
pessoa. Deve-se ao papel desempenhado pela acumulação de conhecimento informal
e a taxa progressiva de leitura, contribuindo ambas ações para a aprendizagem. À
medida que cresce o conhecimento pelas experiências diretas ou indiretas e
oportunidades de leituras, suscitam
alterações estruturais no cérebro.
Crianças com altas habilidades e talentosas e a Neurocognição
A meta da neurociência cognitiva é descobrir
estratégias educacionais informadas pela investigação que possam ter relevância
para a educação do superdotado e na formação dos educadores. Todavia, as hipóteses
e informações disponíveis são conflitantes sobre indivíduos que apresentam
“alta performance”, e ficam as indagações:
-
será que usam mais áreas (circuitos) do cérebro para o desempenho da tarefa?
- será que usam menos áreas do cérebro para
completar a tarefa?
- será que possuem maior
densidade de neurônios com maior número de conexões entre eles?
- mostram
comportamento mais “reflexivo” frente a uma situação?
-
mostram trajetórias de desenvolvimento cognitivo diferenciado que afetam a
capacidade intelectual?
-
pensam mais rápido?
-
são mais hábeis?
-
têm maior número de neurônios em certas áreas do cérebro?
-
estrutura cerebral ainda “amadurecendo” embora conhecimento cristalizado acima
da média e acima de testes psicométricos?
-
qual a relação entre
emocional & desenvolvimento
cognitivo substancial?
-contudo,
desenvolvimento emocional menos desenvolvido do que habilidade intelectual, i.
e. desenvolvimento assincrônico, o emocional mais atrasado do que a habilidade
intelectual.
Tabela
1. Características cognitivas de crianças “prodígios” e “savants” (sábias)
Tipo
|
Prodígio
|
Savant (sábia)
|
QI
|
QI normal
|
QI alterado
|
Definição
|
Competência de adulto em
área específica antes dos 10-12 anos.
|
Talento excepcionalmente
precoce em área específica (exemplo, matemática, música, artes).
|
Emoção
|
Problemas com ajuste emocional.
|
Mostram modesta e ou falta de emoção.
|
Desenvolvimento
|
Falam e leem em idade
precoce, antes das crianças normais
|
Confiança em padrão
concreto e literal de pensamento e ação.
|
Cognição de alto nível
|
Compreensão & comunicação com uso de linguagem muito além de seus pares de mesma
idade.
|
Raciocínio abstrato ausente ou mínino.
|
Adaptado de: Geake, 2003.
Perguntas motivadoras de pesquisa em altas habilidades
·
Como
os circuitos neuronais do cérebro se estruturam antes da emergência da
competência?
·
Qual
o papel que o processamento sensorial
básico desempenha na aprendizagem?
·
Qual
são os efeitos da idade na aprendizagem do processo da linguagem?
·
Como
o “status” socioeconômico e o ambiente familiar fazem sua relativa contribuição
nos diferentes períodos do desenvolvimento do cérebro?
·
Como
o cérebro estrutura representações de circuitos para bi/tri linguismo?
·
Qual
são as bases neurais das diferenças individuais da aprendizagem e
desenvolvimento?
·
Qual
o papel desempenhado na aprendizagem pela amígdala (corpo amigdalóide) e cerebelo?
·
Quais
são os circuitos neurais do engajamento emocional que promovem excelência
educacional?
·
Quais
são os efeitos do sono na aprendizagem?
·
Há
alguma evidência neural nos “estilos de aprendizagem”?
·
Como
a predisposição genética que expressa a neuroplasticidade, interage com o
contexto de aprendizagem e o ambiente social?
·
Será
que há rede neural distinta que se correlaciona com o currículo aritmético (ex.
decimais, frações)?
·
Como
diferem os cérebros de estudantes com altas habilidades dos estudantes
“normais”?
·
Pode
a neurociência fornecer um melhor entendimento da memória & conhecimento?
·
Que
tipos de aprendizagem escolar e aprendizagem informal podem ser explicados
pelos modelos da sinapse de Donald Hebb?
·
Qual
é a dinâmica dos neurotransmissores da “memória de trabalho”?
·
Quais
são os alimentos que podem fornecer precursores dos neurotransmissores
relacionados com os circuitos de aprendizagem?
Diante do exposto
propõe-se um currículo que possa atender às crianças com altas habilidades
Proposta para Currículo para crianças com Altas Habilidades
·
Prover
as crianças com várias tentativas similares nos assuntos que levem, pela
repetição consolidar os itens de memória, no formato de conexões neurais;
·
Promover
pensamento integrado (ex. integrar tópicos comuns de BIOQUIFIS - Biologia,
química, física);
·
Currículo
“tipo espiral”, i. e. os conceitos importantes “core” abordados repetidamente,
mas em diferentes contextos para manter o interesse. “Profundidade” e não
“extensão” enciclopédica no formato de espiral contextualizada;
·
Assim, o reforço de um novo circuito que
representa o conceito correto. Por
exemplo: criança de 10 anos avalia comprar quais brinquedos na mercearia da esquina; 12 anos,
lida com o orçamento hipotético da família; 14 anos planeja as compras mais
importantes, como móveis, o carro da família;
·
Outra
alternativa, estudar a hierarquia: sais, íons,
neurônio, sinapse, neurotransmissores, circuitos neurais, mapa neural e
finalmente o comportamento de um organismo (ser humano? outros animais/vegetais);
·
Apresentar
os conceitos/conteúdos de forma múltipla [vídeo, DVD, livro, educação informal,
teatro, jogos, história em quadrinhos (vários temas), trabalho de campo];
·
Para
pré-adolescentes criar práticas que envolvam o funcionamento do córtex
pré-frontal (função executiva), por exemplo: labirinto, puzzle-grow, palavras
cruzadas, mapa conceitual/mental, resolução de casos, instrução programada
(Geake, 2009).
Em Biologia, para estudante de alta
habilidade e talentoso, empregar estudo de casos tais como:
a-
“Seguindo
as pegadas dos Neandertais” (resolução de caso);
b-
Resolução
de “Caso” célula;
c-
Resolução
de “Caso” coração;
d-
Resolução
de “Caso” árvore & planta;
e-
Resolução
de “Caso” inseto; entomologia forense (caso);
Conclusão
A intenção deste artigo é começar uma
conversação produtiva entre o pesquisador em neurociências e o educador em
geral, mas mais especificamente àqueles que se propõe educar crianças com altas
habilidades. Há necessidade urgente de parcerias entre o neurocientista e o
educador. Independentemente da idade da
criança, e a série que ela cursa, todos nós como docentes tentamos influenciar
como o conhecimento é armazenado no cérebro de nossos estudantes, e como poderá
ser aplicado. Contudo, é preciso ter ciência dos traços de personalidade e características
próprias, quer intelectual como sócio-afetiva, das crianças superdotadas. Sabe-se
que há um número limitado de informações de entrada no cérebro, via órgãos
sensoriais, que ficam armazenados na memória, bem como produtos de saída,
produzidos pelo cérebro. Incluem-se entre eles, a fala, a escrita, a leitura e
o movimento. Um melhor conhecimento sobre a evolução e a pesquisa sobre o
cérebro e as bases neurais da aprendizagem, provavelmente irão validar muitas
das abordagens instrucionais e estratégias cognitivas que professores e alunos
já usam rotineiramente, ou permitir avanços inovadores.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* Professor Adjunto de Fisiologia, Fellow in
Basic Medical Education/Physiology (ECFMG, Philadelphia, PA; University of
Washington, Seattle, WA, US), consultor acadêmico e de pesquisa científica do
ISULPAR.
Referências
Aamodt,
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