terça-feira, 20 de maio de 2014

José Carlos Pitangueira, médico: ‘Em seu círculo de amigos sempre há um autista’

por Paula Ferreira | Jornal O Globo
José Carlos Pitangueira, médico: ‘Em seu círculo de amigos sempre há um autista’ Foto: Fabio Seixo / Agência O Globo
José Carlos Pitangueira, médico: ‘Em seu círculo de amigos sempre 
há um autista’ Fabio Seixo / Agência O Globo

“Sou um médico que conseguiu compreender que o autismo da minha filha veio para me ajudar a ser uma pessoa melhor. Tenho 37 anos, trabalho como diretor de projetos do Instituto Nacional de Assistência à Saúde e Educação e criei um centro para tratar da Carol. Hoje, atendo 162 crianças”

Conte algo que não sei.
Não é só o autista que precisa de um olhar. Os pais e as mães precisam, igualmente. A família toda adoece. Nenhum ser humano é preparado para seu filho ter uma deficiência sem cura. Quando a mulher engravida, quer saber o que o filho será quando crescer. Já os pais de um autista perguntam: “quando eu morrer, quem vai cuidar do meu filho?” 

Muitos autistas são geniais. Qual a relação com a doença?
O autismo tem uma variação grande, de gênios supostamente autistas como Einstein e Messi, moderados, a casos gravíssimos, gente que não olha nem fala com ninguém. Todos têm um interesse direcionado, daí serem indivíduos ultraespecializados, que usam o cérebro exclusivamente numa atividade. Alguns fazem coisas maravilhosas, mas não conseguem se vestir, pegar um ônibus. 

Pessoas comuns podem ter traços de autismo?
Eu me faço a pergunta: de “médico, louco e autista todo mundo tem um pouco?” De acordo com o Centro de Controle de Doenças americano, para cada 68 crianças nos EUA, uma é autista em algum grau, ou seja, quase 1,5%. No mundo, a faixa é de 1%. Em seu círculo de amigos sempre há um autista que não sabe que é. 

Quanto a ciência conhece sobre a doença?
Muito pouco. Recentemente, o autismo alcançou a mídia, a sociedade começou a falar a respeito agora. Mas também já existe pesquisa genética em curso e, nos próximos 20 anos, teremos muita explicação. 

Por que o interesse demorou a aparecer?
É recente a compreensão de que o autismo é um problema de saúde pública mundial. Quando o HIV surgiu, não se sabia quase nada. Quando se percebeu que matava rapidamente, tudo mudou. A diferença, nesse aspecto, do HIV para o autismo é que ali tem um vírus, você vê, enquanto o autismo é uma alteração no cérebro social do indivíduo e não há exame para detectá-lo, é eminentemente clínico. 

Como o Brasil está em relação ao tratamento?
Muito atrasado. Estima-se que, dos brasileiros, dois milhões sejam autistas. E mais de 80% não têm diagnóstico. Mais de um milhão e meio de pessoas são autistas e sequer sabem. Os outros 20%, mesmo os que têm dinheiro para bancar um tratamento na iniciativa privada, não encontram profissionais especializados. 

E quando falta dinheiro?
O governo tem que criar espaços e capacitar profissionais. Em 2012, no Rio, foi aprovado um projeto de lei que obriga o estado a construir dez centros de tratamento. Hoje, não há nenhum implementado. Outra lei determina que escolas regulares admitam dois autistas por turma. O que o poder público precisa fazer é capacitar professores para a escola pública, para que no ano que vem estejam em condições mínimas de receber esses alunos.

E o que foi feito?
Nada foi feito. O que vai acontecer? Todas as escolas serão obrigadas a aceitar esses alunos e nenhuma estará preparada. Imagina o caos para os autistas, para os que não são e para a escola. É uma bomba-relógio nas mãos. Quando a inclusão é correta, torna-se um benefício para as crianças, significa um salto de qualidade na educação. O governo tem que fazer para a sociedade o que fiz para a minha filha.

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