- por Adriana Czelusniak | Hugo Harada / Gazeta do Povo
- Aos 26 anos, Vinícius está em seu primeiro emprego e tem o incentivo do patrão, Alessandro
O autismo foi descrito pela literatura médica pela primeira vez em
1943, pelo psiquiatra norte-americano Leo Kanner. Pesquisas demonstram
que a prevalência da síndrome é cada vez maior (a quantidade de
portadores aumentou dez vezes em quatro décadas). Semana passada, o
Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na
sigla em inglês), divulgou a estimativa de portadores do Transtorno do
Espectro Autista: uma em cada 88 crianças apresentam sintomas, sendo a
prevalência cinco vezes mais comum em meninos.
Uma das explicações para o aumento das estatísticas é a melhora no
diagnóstico, que acontece cada vez mais cedo e evoluiu de forma a
reconhecer até mesmo os sinais mais sutis da síndrome. Mesmo antes de
ser estudado pela Psiquiatria, o autismo já apresentava significativa
incidência. Milhares de portadores hoje são adultos ou idosos. Sem
cadastro, sem diagnóstico, sem atendimento especializado.
“Onde estão os adultos autistas? Estão em entidades de assistência
social, em casas de repouso, em poucas escolas. Ou em casa, tratados
como alguém com inabilidade intelectual, o que chamávamos de deficiência
mental. Muitos estão sem atendimento, sem trabalho laboral adequado”,
afirma o neuropediatra Sérgio Antoniuk, coordenador do Centro de
Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
Não há vagas
A professora da rede municipal de Curitiba Rosana de Fátima Cordeiro,
43 anos, está há dois meses afastada do trabalho por estresse. Quando
for liberada pelo médico para voltar ao trabalho, não sabe o que vai
fazer com o filho Lincoln, 20 anos, que tem autismo e não consegue
atendimento em Curitiba. “Quando consigo entrevista, a primeira coisa
que perguntam é se ele está calmo. Mas sem escola ele está cada vez mais
ansioso, com agressividade e instabilidade. A resposta que escuto é
sempre ‘não’, porque ele tem autismo. É desesperador”, conta.
Lincoln teve características tidas como normais até os 4 anos. A
partir daí, veio o isolamento, a interrupção da fala, as autoagressões e
a dependência para toda e qualquer tarefa. “Ele consegue apagar a luz,
mas não sabe passar sabonete no corpo. Quando era pequeno, a gente dava
conta, mas não imaginava o que ia passar quando ele crescesse. Vejo que
faltou alguma coisa lá atrás, quando o neuropediatra pediu um monte de
exames e não apareceu nada. Ficamos sem orientação, sem ajuda”, diz.
Uma das clínicas que têm Lincoln na lista de espera é o Centro
Conviver, que de forma particular atende 80 pessoas entre crianças e
adultos. Não há estrutura ou profissionais especializados para ampliar o
atendimento. A diretora, Luciene Vianna, diz que a cada semana recebe
ao menos quatro famílias para avaliações de autismo, mas não tem como
recebê-las. “Quando é um adolescente ou adulto, a situação é bem mais
complicada. Pelo sistema público não há perspectiva de futuro, amparo,
moradia, oficina de treinamento para o trabalho ou para a vida”, diz.
Sem incentivo, primeiro emprego se torna desafio
Com um ar de timidez e certa relutância em cumprimentar
desconhecidos, Vinícius Ceccon, 26 anos, transita atarefado entre as
mesas do restaurante Outback, no Shopping Curitiba. Ele foi
diagnosticado com autismo na infância e frequentou uma clínica
particular por alguns anos. Por indicação da clínica, conseguiu o
emprego, há quase dois anos. Vai trabalhar de ônibus e gasta parte do
salário com viagens, como a que fez no verão, para o Nordeste. O
portador de autismo severo diz que não precisa mais de psicólogos, agora
que tem um trabalho.
No início, Vinícius apenas polia talheres, um tanto incomodado com o
grande fluxo de pessoas à sua volta. Hoje, tem a mesma responsabilidade
dos outros auxiliares de atendente e, com o incentivo dos colegas, já se
acostumou com a grande movimentação e barulho do restaurante. “Quando
ele fica ansioso com alguma coisa, vai pra um espaço mais reservado que
temos aqui e passa alguns minutos lá até se acalmar. Depois volta e
continua com seu trabalho normalmente. Levou um tempo, mas ele encontrou
essa forma de se acalmar”, conta o proprietário do Outback, Alessandro
Ilkiu. Ele diz que clientes valorizam a presença de Vinícius no local e a
iniciativa do restaurante.
Hoje, a contratação de pessoas com autismo ainda não têm incentivo do
governo e elas não podem ser encaixadas nas vagas destinadas a pessoas
com necessidades especiais, a menos que tenham deficiência mental ou
inabilidade intelectual associada. Isso representa cerca de 40% dos
portadores de autismo, segundo o Centro de Controle e Prevenção de
Doenças (CDC).
Considerado por muito tempo um prisioneiro de seu próprio mundo,
alheio a tudo que o cerca, o portador do autismo é visto hoje como
alguém que precisa de ajuda para se desenvolver e se relacionar. Com um
diagnóstico cada vez mais precoce e atendimento específico
multiprofissional, até os casos mais severos podem ter avanços e
alcançar algum grau de independência. Em casos com menor
comprometimento, como os que têm a chamada Síndrome de Asperger, as
altas habilidades, como grande capacidade de concentração, memória e
foco, podem tornar essas pessoas bastante atrativas para determinadas
áreas, como as ciências exatas.
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