por Ana Maria Diniz, para o Jornal Estadão
O século 20, com suas incríveis descobertas científicas, virou o
mundo do avesso. Munido de tecnologia, em menos de cem anos o homem
inventou a penicilina, o chip, foi à Lua, voltou, sequenciou o genoma
humano, clonou uma ovelha e conectou o mundo por meio de uma imensa rede
virtual– só para citar alguns feitos. Também aprendeu coisas que nem
imaginava sobre si mesmo.
Uma das mais impressionantes diz respeito ao cérebro, a máquina
hipercomplexa que possibilitou todas as façanhas descritas acima (e
muitas outras). Com a ajuda de aparelhos de neuroimagem e
eletromodulação, neurologistas puderam, enfim, observar o órgão em
funcionamento. E descobriram que ele mais é plástico, maleável e capaz
de remodelar suas próprias estruturas e funções de acordo com estímulos
externos e com as necessidades do que se suspeitava.
Isso aconteceu nos anos 90. Até então, predominava a convicção de
que, após os primeiros anos de vida, o cérebro adquiria uma estrutura
rígida, inalterável. Também era tido como certo que os neurônios, uma
vez danificados, não podiam se regenerar.
A esta altura, você deve estar se perguntando: e o que a educação tem a ver com isso?
Muita coisa.
Como escreveu o médico canadense Norman Doidge em o Cérebro Que Se Transforma,
best-seller mundial, lançado no Brasil pela Editora Record, as
consequências da descoberta da plasticidade são enormes e afetam o
cotidiano de cada um de nós. “Essa nova percepção do cérebro enterra
qualquer vestígio de determinismo biológico nos distúrbios da mente, nos
vícios e no aprendizado”, diz Doidge em seu livro.
Ou seja: trata-se da comprovação científica de que ninguém está
fadado a ser de um único jeito para o resto da vida, nem a conviver com
limitações e deficiências. Podemos, todos, aprender melhor. Ensinar
melhor. E sermos amanhã melhores do que somos hoje.
Eis três exemplos simples de como essa descoberta da neurociência pode influenciar de forma positiva a educação:
-Professores cientes da plasticidade cerebral entendem que seus
alunos podem, por meio dos estímulos certos, mudar seus cérebros para
melhor, e buscam caminhos para auxiliá-los de forma mais efetiva em suas
dificuldades.
– Crianças com dificuldades de aprendizado, se conscientes de que
podem aprimorar e adquirir novas habilidades, seriam menos suscetíveis a
problemas de baixa auto-estima e falta de motivação,, fatores que
afetam de forma negativa o aprendizado.
– Ao entenderem as limitações dos filhos como algo superável, os pais
buscariam caminhos alternativos para ajuda-los em vez de se conformar
com o baixo desempenho escolar,dando a eles a oportunidade de ser
desenvolverem de forma plena.
O problema é que a maioria dos pais, alunos e, principalmente,
professores não faz ideia do que seja plasticidade cerebral. Continuam a
acreditar que o cérebro é mais menos fixo, como aprenderam na
faculdade. Pior: grande parte dos docentes acredita em nos chamados
neuromitos – ideias oriundas de informações neurocientíficas mas sem
nenhum fundamento, que não passam de especulações ou interpretações
equivocadas.
Foi o que revelou uma pesquisa realizada com professores da Inglaterra, Turquia, Grécia, Holanda e China, publicada na Nature Reviews Neuroscience
há pouco mais de um ano. Dos professores entrevistados, por exemplo,
90% acreditavam que os alunos aprendiam melhor quando ensinados no seu
estilo de aprendizado favorito (visual, auditivo ou sinestésico) e mais
da metade dividia a convicção de que o ser humano usa apenas 10% da
capacidade seu cérebro – duas afirmações desacreditadas por cientistas
sérios.
Como se vê, já passou da hora de a neurociência frequentar a escola.
Fonte: http://educacao.estadao.com.br/blogs/ana-maria-diniz/plasticidade-cerebral-um-conceito-que-pais-alunos-e-professores-deveriam-conhecer/
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