quinta-feira, 27 de agosto de 2015

COLUNA DO DIA: Nativos e imigrantes em convergência



Para que a evolução humana siga acontecendo, linguagem, criatividade, comunicação e as diferentes inter-relações ganham novas características e performances em cada momento histórico. Dos períodos mais antigos à contemporaneidade, a permissão para produção contínua de possibilidades comunicativas e criativas foi enriquecida com variadas tecnologias. Do gesto, passando pelo papel, ao computador e à Internet preservamos culturas e sociedades, além de múltiplos instrumentos, responsáveis pela gestão, mediação e transformação da realidade.

Juntos se desenvolvem o patrimônio cultural e a memória humana. Dentro de redes associativas e novas (e outras) representações, as gerações se sucedem criando condições de perenidade de proposições, artefatos, narrativas essenciais à sua reflexão após seu tempo de realização / ação. E no seio do contexto social, estas gerações convivem e convergem informação e saberes.

Contemporaneamente, a situação não é outra. Quando se mapeia o capital teórico atual, muitas discussões se revelam e articulam em duplos: modernidade e pós-modernidade; certezas e incertezas nas formas de conhecer; paradigma cartesiano e outro mais holístico; ensino linear e hipertextual; convivência analógica e digital; convívio da oralidade e da escrita; dentre outras. Estas discussões envolvem análises econômicas, sociais, políticas, filosóficas etc. que, no bojo deste estudo, refletem um conflito de gerações cujas perspectivas, olhares, pensamentos foram criados em sinergia com tempos socioculturais ímpares.

Marc Prensky (2001)[1] analisa as divergências entre gerações dentro de conceitos como ‘nativos e imigrantes digitais’. O primeiro termo é identificado com aqueles que cresceram com a rede. Já o segundo termo refere-se aqueles que ‘chegaram mais tarde’ às tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Marc Prensky (2001) adota o conceito de nativos digitais para se referir à geração de indivíduos que cresceu e cresce com a evolução da Web e da tecnologia em geral. Os nativos digitais convivem diariamente com computadores, videogames, música digital, celulares de última geração etc. Não se preocupam com a leitura do manual de instruções e poucos recorrem a técnicos especializados, ou seja, atrevem-se a descobrir por si o funcionamento da tecnologia que têm entre as mãos. Têm uma habilidade para usar as tecnologias virtuais e uma característica: a tecnofilia (sentem atração por tudo que for associado às novas tecnologias).

Os nativos digitais adoram fazer várias coisas ao mesmo tempo: são multitarefa por que acessam e se comunicam por diferentes canais simultaneamente, apesar de preferirem formatos gráficos de texto. Suas ações são hipertextuais, não mais apenas lineares. Suas decisões são imediatas. Muito do seu ‘psicologismo’ está ‘linkado’ com o uso que fazem das ferramentas digitais. E conceitos como espaço, tempo, identidade, memória dentre outros, pertencem mais a todo ambiente high-tech no qual cresceram do que a uma sequência linear de assimilações (e reflexões) cotidianas de valores, conceitos, regras e comportamentos.

Em suas atividades multitarefas, o olhar é o sentido mais usado, senão o mais desenvolvido. No tempo de imersão tecnológica, há uma necessidade de abrir frentes, desbravar o terreno virtual, o quanto for possível. De um lado constroem viagens a espaços inimagináveis e adquirem um grande conjunto de informações; mas, de outro lado, quando a ideia é a construção do conhecimento, há certa dificuldade e mínima produtividade, há certa redução dos níveis de atenção e concentração, além de adquirir uma atitude volúvel quanto aos assuntos acessados. Ou seja, há a necessidade da escola, da socialização escolar, dos desafios do ensino, das indicações do professor.

Os ‘nativos’ são apenas mais predispostos a utilizar tecnologia na aprendizagem e a realizar atividades de investigação oferecidas pela escola e dentro dos processos educacionais. E segundo Monteiro (2009)[2], estão sendo estudados como um fenômeno que está causando impactos em diferentes setores da sociedade e representam 50% da população ativa (pessoas de até 25 anos), mas em 2020, com o crescimento demográfico, serão 80% da população.

Por conseguinte, em entrevista para o site super Rede Boa Vontade de Rádio (2009)[3], o consultor da Faustini, Inovação e Tecnologia (FIT), Volney Faustini afirma que “os nativos digitais ‘têm plasticidade cerebral diferente’ justamente constituída pela rotina de acessos, imersões e interações no ambiente digital, principalmente relacionada aos games.”

Ao conceito de nativos digitais, Prensky (2001) contrapõe o de imigrantes digitais, isto é, os indivíduos que não tendo nascido no mundo digital, em determinada altura se sentiram atraídos e mostraram interesse pelas ferramentas digitais. Os imigrantes digitais terão sempre de se adaptar ao ambiente e acrescentar novas aprendizagens às anteriormente conseguidas, situação contrária à dos nativos digitais cuja evolução tecnológica está integrada ao seu desenvolvimento psicossocial.

Para exemplificar, Prensky (2001) menciona o sotaque dos imigrantes digitais. Um imigrante digital sente por vezes a necessidade de imprimir um documento de texto que pretende editar ou telefona a alguém para avisar do envio de um email. O nativo digital não o faz, edita os seus documentos no próprio processador de texto. São pequenos aspectos que determinam a perspectiva que cada um tem da tecnologia: um nativo abraça-a, um imigrante adapta-a e, por mais que a utilize, haverá sempre um ligeiro sotaque na sua língua.

No panorama contemporâneo, os imigrantes digitais estão num processo de migração estimulado pela influência das novas tecnologias no cotidiano. Dessa migração e adaptações, a convergência não se dá sem conflitos. Estes conflitos que vão além das diferenças de objetos que formam a memória e a identidade de cada um, são conflitos vinculados à velocidade com as quais os indivíduos em geral lidam com as informações e às formas de apropriação dos meios digitais.

Dos meios ‘analógicos’ comuns à geração anterior, os nativos digitais só conhecem todos quase sempre de ‘ouvir falar’ ou por fotos, ou seja, muitos deles nunca chegaram a usar. Seus meios e formas de interação são outros e estão promovendo o redimensionamento destes mesmos meios e formas. Do analógico ao digital, muitas diferenças.

Segundo Volney Faustini (2009 apud MONTEIRO, 2009) “é possível um imigrante digital conviver em harmonia com a nova geração, mas este nunca vai perder o ‘sotaque’”. Mas o que seria ‘sotaque’? “O nativo fala a linguagem digital com naturalidade e pertinência. Ele sabe inclusive ler na tela do computador. Já o imigrante não tem a mesma desenvoltura, a mesma fluência. Não é à toa que este ainda imprime e-mails para ler”. (FAUSTINI, 2009 apud MONTEIRO, 2009). Ambos convivem bem, mas sempre haverá diferenças.

Imigrantes digitais são nativos analógicos. Nada impossibilita sua transição para o ‘digital’ quando se encantam pelas possibilidades da tecnologia digital, mesmo sendo linear e seqüencial. De novo, a questão do tempo. Mesmo encantado, faz uma coisa de cada vez. Precisa de tempo para reflexão, de adaptação e de adequação.

Em seu blog na página do site TERRA, Silvio Meira (2009)[4] afirma que “a questão não é de idade ou de percepção, e sim de entender [e acompanhar] a mudança de cenário”. A tecnologia é rápida demais e o problema é ‘correr na frente’: “a cada 18 meses dobra a capacidade de processamento dos micros; a cada 12 meses, a de armazenamento; já a velocidade de transmissão de dados dobra a cada nove meses, enquanto o preço de tudo permanece o mesmo” (MEIRA, 2009).

Diante disso, propor desafios, criar estratégias, reconfigurar saberes adquiridos, remexer no ‘baú de ossos’ da cognição, agir em proximidade, afetar a atenção, minimizar indisciplinas, demanda o uso diferenciado de todos os recursos disponíveis no contexto educacional ou não como estímulos sedutores à autoformação e interformação pessoal. Sem isso não há como agenciar a curiosidade, a criatividade, a atenção, a emoção e, principalmente, o comprometimento a uma transformação atitudinal aprendentes.

Segundo Spyer (2007), toda participação dependerá da motivação / estímulos que podem levar os aprendentes a acreditar e participar do projeto. Mas para isso, em resumo, é preciso: (...) reciprocidade (uma pessoa fornece informações relevante para um grupo na expectativa de que será recompensada recebendo ajuda e informações úteis ao futuro), [...] prestígio (para ser respeitado e reconhecido dentro de um determinado grupo, um indivíduo pode oferecer informações de qualidade, fartura de detalhes técnicos nas respostas, apresentar disposição para ajudar os outros e redação elegante), [...] incentivo social (o vínculo a um determinado grupo leva pessoas a oferecerem voluntariamente ajuda e informações), [...] e incentivo moral (o prazer associado à prática de boas ações estimula pessoas a doarem seu tempo e esforço). (SPYER, 2007, p.36).

Profª Ma Claudia Nunes

Referencias:
PRENSKY, Marc. Digital Natives. Digital Immigrants. On the Horizon (MCB University Press, vol. 09, nº 05) October, 2001. Disponível em: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/file.php/2470/Digital_NativesDigital_Immigrants.pdf. Acesso em: 20 março 2009.
SPYER, Juliano. Conectado: o que a internet fez com você e o que você pode fazer com ela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.






[1] PRENSKY, Marc. Digital Natives. Digital Immigrants. On the Horizon (MCB University Press, vol. 09, nº 05) October, 2001. Disponível em: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/file.php/2470/Digital_NativesDigital_Immigrants.pdf. Acesso em: 20 março 2009
[2] MONTEIRO, Elias. As diferenças entre nativos e imigrantes digitais. Caderno Digital,
jornal O Globo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2009/05/18/as-diferencas-entre-nativos-imigrantes-digitais-755911443.asp Acesso em: 18 maio 2009.
[3] FAUSTINI, Volney. Entrevista cedida ao site Super Rede Boa Vontade de Rádio, em 05 de junho de 2009. Disponível em: http://radio.boavontade.com/sp/inc/interno.php?cm=77248&ci=1&cs=10. Acesso em 20 julho 2009.
[4] MEIRA, Silvio. Dia a dia, bit a bit. Robôs [3]: campeões do mundo? De futebol? Artigo publicado no Blog na página do provedor TERRA em 29 julho 2009. Disponível em: http://smeira.blog.terra.com.br/tag/limites. Acesso em: 01/08/09

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