Existem no Brasil dois milhões de pessoas diagnosticadas com autismo,
segundo estimativas. Nos Estados Unidos, os números são oficiais: a
incidência é de uma em cada 88 crianças. Por trás das estatísticas,
estão familiares e pacientes, que se esforçam todos os dias para lidar
com o transtorno neurológico, que afeta a comunicação, a sociabilidade e
o comportamento. Mas que agora enxergam uma luz no fim do microscópio:
um jovem cientista brasileiro, Alysson Muotri, de 38 anos, radicado nos
Estados Unidos, está surpreendendo o mundo acadêmico com suas pesquisas
que desenvolveram neurônios derivados de pacientes autistas e os
reverteu ao estado normal. Os resultados do experimento mais recente, de
janeiro, estão em fase de revisão e devem ser publicados ainda este
ano. Atualmente, uma campanha no Facebook, liderada por pais de crianças
com autismo, busca apoio do governo brasileiro às suas pesquisas.
O que o motivou a pesquisar sobre autismo?
A
capacidade social humana é única entre as espécies. Pesquisar o autismo
e outras síndromes que afetam o lado social é uma forma de ganhar
conhecimento sobre a complexidade do cérebro social humano. Foi isso que
me motivou a estudar o autismo inicialmente. Hoje em dia, minha
motivação vem do potencial da pesquisa em ajudar os pacientes e
familiares. Nasci ouvindo que o espectro autista não tem cura, mas, para
mim, isso é um mito.
Em 2010, você e sua equipe conseguiram
acompanhar o desenvolvimento de neurônios derivados de pacientes com a
Síndrome de Rett, uma forma mais grave de autismo, e revertê-los ao
estado normal. Como isso aconteceu?
A partir da tecnologia de
reprogramação celular do pesquisador japonês Shynia Yamanaka. Células
adultas são revertidas ao estado embrionário, como ferramentas para
entender a origem de doenças neurológicas. Reproduzimos neurônios do
espectro autista usando a tecnologia de Yamanaka e conseguimos corrigir o
defeito genético nos neurônios, evitando o aparecimento das
“características autistas”.
Este ano, vocês fizeram o mesmo com
células de pacientes com o autismo clássico. Quais as diferenças e
semelhanças entre as pesquisas? Houve avanços?
O trabalho, ainda
não publicado, basicamente revela a mesma coisa. Fomos mais fundo dessa
vez e descobrimos um gene novo implicado nos defeitos neuronais. Mais
ainda, revelamos que em alguns casos de autismo clássico existem vias
bioquímicas que são comuns à síndrome de Rett. Estamos empenhados,
agora, em implementar uma triagem de drogas automatizada, procurando por
novos medicamentos que sejam seguros para uso clínico.
Encontrar a descoberta de uma droga eficaz é, hoje, uma questão de tempo ou de financiamento?
Certamente
uma questão de financiamento. Temos o modelo e as bibliotecas químicas,
mas precisamos de financiamento para juntar as duas coisas. No meu
laboratório, leva-se anos para testar algumas drogas manualmente.
Queremos testar milhares de drogas em poucos meses usando métodos
automáticos.
Seria possível considerar um prazo estimado para que sua pesquisa se reverta em uma medicação disponível para venda no mercado?
O
prazo estimado é de 10 anos, incluindo os ensaios clínicos e
considerando que teremos uma nova droga experimental nos próximos 2, 3
anos.
Já existe interesse de laboratórios farmacêuticos?
Estamos
namorando com alguns, mas ainda não há nada de concreto. A indústria
farmacêutica tem medo de entrar num negócio novo e arriscado, e prefere
esperar pelos avanços da academia, o que é mais vagaroso. Esse tem sido o
quadro atual na minha constante busca por captação de recursos. Muitos
laboratórios farmacêuticos hoje focam em doenças como câncer ou de
metabolismo (hipertensão, obesidade etc). É preciso uma mudança de
paradigma.
Muitos falam em epidemia de autismo, com 1 em cada 88
crianças diagnosticadas dentro do espectro nos EUA. Há alguma explicação
para o aumento do número de casos?
Ainda é cedo para falar em
epidemia. Os números podem representar uma melhora do diagnóstico,
conscientização dos médicos ou mesmo interesse dos pais em classificar
crianças menos afetadas dentro do espectro autista para conseguir
recursos financeiros do governo americano. É um quadro complexo e temos
que esperar pesquisas nos próximos anos para entender se o número de
crianças autistas está de fato aumentando. Se for confirmado, pode
realmente ser algo ambiental que ainda desconhecemos.
Você não acha que, para um percentual de casos tão alto, pouco investimento se fez até hoje? No Brasil, especialmente?
Com
certeza. O autismo custa anualmente US$ 35 bilhões para a sociedade
americana, porém, são investidos apenas US$ 100 milhões em pesquisa. É
uma discrepância muito alta. Não tenho ideia dos números no Brasil, mas
imagino que o investimento seja muito menor. Acho que o quadro de
autismo atual pede um plano nacional de ataque.
É verdade que você e a mãe de um rapaz autista trabalham num projeto de um centro de excelência no Brasil?
Sim,
é verdade. É um mega projeto, de um centro com diversos departamentos,
incluindo pesquisa, treinamento médico, tratamento, educação,
capitalização de recursos . Dentro de cada um desses departamentos,
autoridades no assunto serão responsáveis por manter um ciclo
multidisciplinar, por exemplo: o grupo de educação irá ate uma cidade
explicar aos médicos o que é o autismo. Alguns desses pediatras
receberão treinamento pra diagnóstico. Novos casos serão encaminhados ao
centro, onde a família vai receber apoio e pode optar por incluir o
paciente em pesquisa. Diversas pesquisas estarão acontecendo, incluindo
potenciais ensaios clínicos e estratificação do espectro autista baseado
em, por exemplo, genética e comportamento. Essa é uma visão geral. Mas
acho que é uma forma de agregar as diversas ideias e atividades sobre
autismo no Brasil, que, ao meu ver, estão pulverizadas. Essa falta de
organização faz com que o movimento pró-autista no Brasil não tenha
força política.
Você firmou recentemente uma parceria com a
Microsoft, que estaria interessada em contribuir com suas pesquisas.
Como isso poderia acontecer?
A ideia é usar a parceria da
Microsoft no desenvolvimento de uma plataforma inteligente para leitura e
quantificação automática das sinapses formadas nas culturas de
neurônios em laboratório. Seria a automatização de mais um passo do
processo. A biologia já provou que o modelo funciona, precisamos agora
da engenharia para acelerar e otimizar o caminho.
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