sábado, 9 de fevereiro de 2013

Inclusão de autistas, um direito que agora é lei

Autismo. Ilustração: Vilmar Oliveira e Manuela Novais

Nas últimas semanas, um tema não muito frequente tem tomado as manchetes de jornais e revistas: o autismo. As polêmicas giram em torno da Lei nº 12.764, que institui a "Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista". Sancionada em dezembro do ano passado pela presidente Dilma Rousseff, a medida faz com que os autistas passem a ser considerados oficialmente pessoas com deficiência, tendo direito a todas as políticas de inclusão do país - entre elas, as de Educação.

Pode parecer estranho criar uma lei voltada especificamente ao autismo, sabendo que já existem no Brasil diretrizes gerais para a inclusão. A medida, no entanto, faz sentido. Segundo a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), relatora do substitutivo do projeto que foi aprovado pela Câmara, "por não haver um texto específico que dissesse que os autistas são deficientes, muitos deles não podiam usufruir dos benefícios que já existem na legislação brasileira".

Falando especificamente de Educação, a lei é vista por especialistas como mais um reforço na luta pela inclusão. O texto estabelece que o autista tem direito de estudar em escolas regulares, tanto na Educação Básica quanto no Ensino Profissionalizante, e, se preciso, pode solicitar um acompanhante especializado. Ficam definidas, também, sanções aos gestores que negarem a matrícula a estudantes com deficiência. A punição será de três a 20 salários mínimos e, em caso de reincidência, levará à perda do cargo. "Recusar a matrícula já é algo proibido por lei, a medida reforça isso e estabelece a punição", comenta Mara.

As definições, é claro, têm gerado muita discussão. Entre os argumentos de quem é contra a inclusão de autistas, aparecem sempre o receio com relação à adaptação deles e a preocupação em não forçá-los a conviver com outros alunos. O próprio texto da lei trazia uma observação relativa a isso, que foi vetada pela presidente Dilma. O parágrafo deixado de lado dizia que "ficam ressalvados os casos em que, comprovadamente (...), o serviço educacional fora da rede regular de ensino for mais benéfico ao aluno com transtorno do espectro autista".

"A ideia dessa ressalva era respeitar a decisão da família de levar ou não a criança à escola", explica Mara. Abria-se, no entanto, uma brecha para que as instituições recusassem a matrícula. "Não havia nada na lei que explicasse qual profissional iria avaliar o aluno e afirmar se ele estava apto ou não. A decisão ficaria a cargo do diretor, o que daria margem à exclusão", comenta Andréa Werner Bonoli, mãe de Théo, um garotinho autista.
 
Defensora da inclusão, Andréa explica que há alguns casos mais extremos de autismo, que devem ser tratados como exceções. A grande maioria das crianças, no entanto, consegue frequentar escolas regulares e precisa desse contato com outros alunos. "A Educação Especial pode até acolher melhor e ter métodos interessantes, mas o deficiente só convive com semelhantes. O autista tem problemas com a socialização e a convivência. Ao colocá-lo em contato com outros alunos, é possível puxá-lo da zona de conforto e ajudá-lo a conviver em sociedade. Não adianta mantê-lo em uma bolha", defende ela.

A opinião é compartilhada por Rossana Ramos, professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e autora do livro Inclusão na Prática: Estratégias Eficazes para a Educação Inclusiva. A especialista afirma que "o que faz o deficiente se desenvolver é a interação com pares diferentes dele. A criança aprende por imitação. Colocá-la em um lugar em que só há pessoas com o mesmo problema não adianta".

Mais do que leis, é preciso mudar a cultura da escola
As duas concordam, no entanto, que a inclusão não é simples e não se torna realidade apenas com a aprovação de uma lei. Por trás da discussão sobre matricular ou não crianças autistas em escolas regulares, escondem-se a falta de conhecimento sobre o problema e as dificuldades que as instituições enfrentam para lidar com a diversidade como um todo.

"Leis não vão resolver nada, a menos que existam ações voltadas à capacitação do professor e à mudança da escola", defende Rossana. É preciso rever a formação de modo a ajudar os docentes a lidar com as limitações e as dificuldades de cada aluno, com ou sem necessidades especiais. "A consciência é o que nos ajuda a incluir, e só se chega a ela por meio do conhecimento", explica a especialista.

A inclusão não deve ser apenas um desafio do professor, mas sim de toda a escola e da rede de ensino. "Os autistas têm gestos e atitudes diferentes, e incluí-los dá trabalho", comenta Andréa. "Os educadores têm de entender o autismo, compreender que aquele aluno processa as informações de maneira diferente, tem resistência a mudanças, pode ser mais sensível ao barulho. Cada uma dessas especificidades exige adaptações na rotina", complementa. É preciso, então, criar uma rede de apoio em que o professor da turma regular, o profissional do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e o coordenador pedagógico atuem em conjunto. Há que se mobilizar, também, diretores, funcionários, pais e alunos, de modo a envolvê-los em um projeto de escola inclusiva, na qual as diferenças são respeitadas e utilizadas em prol da aprendizagem.

Para que a inclusão ocorra, portanto, é preciso mais do que a aprovação de uma lei. Deve-se rever as políticas públicas atuais de modo a garantir aos educadores os conhecimentos, o tempo e a formação necessária para que os alunos não só sejam matriculados, mas também tenham garantido seu direito de aprender.

Fonte: Revista Nova Escola/Gestão Escolar




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