Cientistas já sabiam que o tempo de sono varia muito entre os mamíferos e que, quanto maior o animal, mais horas ele passa acordado. Enquanto um elefante fica 21h por dia acordado, por exemplo, um morcego faz o contrário e passa até 20h dormindo.
Por sua vez, as girafas são praticamente insones pelos padrões humanos: dormem quatro horas por dia no máximo. Já os camundongos dormem praticamente todo o tempo. Mas o que ninguém conseguia explicar até hoje é o que exatamente determina essa diferença tão grande.
Um novo estudo da neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel, publicado no periódico científicoProceedings of the Royal Society B, propõe uma explicação surpreendente sobre o assunto: "A minha proposta é que é exatamente o aumento do número de neurônios que causa um tempo menor de sono, por meio de uma menor taxa de acúmulo de substâncias que induzem o sono", diz Suzana. A relação entre a densidade de neurônios por área e a quantidade diária de horas de sono pode ajudar a explicar como os mamíferos ganharam cérebros e corpos maiores ao longo da evolução.
Estudos detalhados sobre as funções biológicas do sono se multiplicaram nos últimos anos. O repouso noturno (ou diurno, no caso de animais de hábitos mais boêmios) é crucial, por exemplo, para a formação de memórias e para o aprendizado, mas tudo indica que o papel mais importante do sono é fazer uma faxina cerebral, recolhendo moléculas potencialmente nocivas que se acumularam durante o dia como subproduto do funcionamento dos neurônios.
Não daria para fazer isso sem passar algumas horas inconsciente e indefeso todo santo dia? Provavelmente não. Ocorre que, quando um mamífero está acordado, o fluido que banha as regiões entre uma célula e outra de seu cérebro e é responsável por carregar o "lixo" dos neurônios para longe deles só consegue alcançar uma área relativamente pequena do órgão – em geral, a parte mais superficial dele.
Isso acontece, grosso modo, porque os neurônios do cérebro estão "inchados", deixando pouco espaço para o fluido circular. Quando o sono vem, é como se o tecido cerebral relaxasse, de maneira que ele é banhado pelo fluido de forma mais homogênea, facilitando assim a faxina.
Pois bem: ao analisar dados sobre o cérebro de 24 espécies diferentes de mamíferos, desde primatas (incluindo vários macacos e o ser humano) até roedores e até girafas e elefantes, Suzana verificou que, em geral, os bichos maiores e de cérebro mais avantajado eram os que dormiam menos.
O detalhe crucial, porém, é que nos animais grandalhões e de grande cérebro, o tamanho da superfície do cérebro era relativamente menor em relação ao córtex cerebral como um todo. Além disso, os neurônios desses bichos tendiam a ser maiores também.
Esse último ponto é importante porque, com neurônios maiores, menos células desse tipo podem ser empacotadas no mesmo espaço do cérebro, o que permite uma circulação mais eficiente de fluido entre elas – realizando uma faxina mais eficiente à noite, com menos horas obrigatórias de sono.
Nessa história, primatas como nós são, até certo ponto, um caso à parte. Ao longo de sua história evolutiva, o grupo dos macacos não teve um crescimento acentuado no tamanho de seus numerosos neurônios. Resultado: eles possuem uma densidade maior em relação à superfície do cérebro, o que explica porque nós ainda precisamos dormir cerca de oito horas por dia, em média, e não as três ou quatro horas típicas de um elefante.
A matéria-prima que teria desencadeado o processo evolutivo que levou ao aumento do cérebro em várias linhagens de mamíferos poderia ter sido a própria variação natural no número de neurônios entre um indivíduo e outro, propõe Suzana.
"Eu já sei que essa variação existe espontaneamente na natureza", diz ela. "O que estou propondo é que aqueles indivíduos que espontaneamente tiverem mais neurônios terão a vantagem de dormir um pouco menos, o que aumenta sua chance de sobreviver – e de conseguir um corpo maior por terem mais tempo para comer."
A partir daí, a seleção natural teria feito o resto do serviço, criando uma espécie de círculo virtuoso no qual mais neurônios exigiam menos sono, permitindo mais tempo e recursos para a alimentação e o crescimento do corpo e do cérebro.
A hipótese da pesquisadora, se estiver correta, poderia ainda explicar um fenômeno que certamente chama a atenção de todos os pais de primeira viagem: bebês humanos nascem dormindo uma quantidade elevadíssima de horas por dia, que vai lentamente decaindo até alcançar os níveis comuns entre adultos (Isso, aliás, é válido também para filhotes de outras espécies de mamíferos).
Ora, caso o desenvolvimento do cérebro dos bebês seja, de certa maneira, uma recapitulação do que ocorreu ao longo da evolução dos mamíferos, faz sentido que, conforme o órgão vai alcançando suas dimensões adultas, ele tenha menos necessidade de uma faxina de longa duração, devido ao menor acúmulo relativo de moléculas "lixo".
(Via BBC e Folha de S.Paulo)
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