quarta-feira, 11 de abril de 2012

A neurociência tem ganhado espaço como boa aliada no processo de ensino-aprendizagem.


Não só de Vygotsky e Piaget vive a Pedagogia atual. Agora, estudos sobre o funcionamento do cérebro também entram em cena para ajudar os professores a diferenciar transtornos de aprendizagem e de comportamento, além de criar outras práticas pedagógicas para melhorar o ensino.

Esses estudos fazem parte da neurociência, ciência já antiga, mas que só agora tem ganhado reconhecimento, principalmente na área da Educação. Mas nem sempre isso é feito da maneira mais adequada, alerta a psicopedagoga e membro da Sociedade Brasileira de Neuro­ciência e Comportamento, Marta Relvas. Para ela, a neurociência não pode ser vista como remédio que vai resolver todos os problemas da Educação ou como uma teoria, onde tudo pode ser generalizado.

Professora há 33 anos, com experiência que vai do Ensino Fundamental até a pós graduação, ela acredita que um professor bem qualificado pode obter bons resultados em sala de aula, mesmo que a escola onde ele trabalhe não tenha recursos para a aplicação de práticas pedagógicas baseadas na neurociência.

Conforme ela, a neurocientista propõe que a aprendizagem é fruto de uma relação emocional e afetiva e que, por isso, o professor tem um papel fundamental no processo. Confira a entrevista dada com exclusividade ao Escola.


A neurociência traz uma nova abordagem no método de ensino. Qual o problema do método de ensino tradicional?
A gente verifica na escola é um modelo só de ensino. O conteúdo não tem o menor significado em relação a experimentação e à experiência desse estudante; ele não é contextualizado e isso não traz uma relação efetiva no seu cotidiano e o aluno não aprende.

Muitas vezes o problema não está no foco do estudante, mas na metodologia pedagógica. Às vezes basta o professor redimensionar a metodologia para que o estudante assimile aquele conteúdo. E o aluno só pode associar na medida em que experimentou, que ele conheceu o assunto.

Como a neurociência pode ser uma aliada na sala de aula?
A neurociência é uma ciência que estuda o sistema nervoso central em pleno desenvolvimento no aspecto neuroquímico, biológico, celular, anatômico, fisiológico, psicológico, emocional e social para que o educador e o professor possam compreender dificuldades, transtornos de aprendizagem e comportamentais que podem se apresentar em sala de aula. A neurociência vem como um suporte para os educadores, para que eles possam fazer uma aula melhor, trazendo recursos que possam estimular os canais sensoriais dos alunos.

Como isso funciona na prática?
Nosso trabalho é direto com os estímulos cerebrais, então a neurociência atua através de jogos e dinâmicas que estimulem todos os sentidos do aluno. A gente promove jogos para que possa ocorrer um upgrade desse hardware, que é o cé­rebro, para que softwares diferenciados possam rodar nesse hardware, aumentando a memória e a capacidade de raciocínio.

Como o professor, através da neurociência, é possível identificar transtornos de aprendizagem?
Eu também sou professora de carteirinha e sempre tive problemas com crianças que não aprendem, mas a neurociência dá um olhar para a gente diferenciar um transtorno de aprendizagem, se aquela criança realmente tem uma dislexia, uma dislalia, ou se o que impede ela de aprender é o ato pedagógico. Então a neurociência não vem como uma panaceia para resolver todos os problemas da educação, mas para auxiliar, dar um suporte, até mesmo para que o professor rotule menos as crianças.
A neurociência vem também para que esse professor avalie se realmente a gente tem um processo de alteração fisiológica ou se é patológica, ou seja, uma doença, com alguns transtornos sérios tanto de aprendizagem quanto de comportamento.

A neurociência trabalha de modo específico com os alunos com necessidades especiais?
Não. A neurociência dá uma visão de inclusão, mas não essa inclusão dita popular, que só inclui cadeirantes. Ela inclui todos, porque a neurociência estuda a relação emocional e afetiva de comportamentos humanos na sala de aula.

E quando nós falamos de inclusão, a gente só pensa no cadeirante, no aluno cego. Mas na visão da neurociência, que é ampla e complexa, todos deverão ser incluídos, porque, às vezes, o aluno não tem um problema físico, mas tem outras constatações emocionais que afeta o bio, o psico-emocional e social de uma pessoa.

A neurociência é muito utilizada nos processos de aprendizagem de crianças. Mas, atualmente, ela também tem sido inserida no ensino universitário. Porquê?
A neurociência tem braços em todas as fases da educação, até na superior. Existem muitos alunos com transtornos comportamentais sérios na sala de aula e, muitas vezes, os professores universitários pensam que, por eles serem adultos, eles não têm problemas ou isso faz com que eles tenham cautela para trabalhar questões mais diferenciadas com esses alunos. A neurociência tem ajudado muito esses professores a lidarem com os transtornos comportamentais.

Como um professor pode se capacitar para trabalhar com neurociência em sala de aula? E como anda o interesse dos pedagogos por essa ciência?
São cursos e minicursos que tenham uma construção teórica de entender a anatomia e a fisiologia do cérebro. Pela minha experiência eu percebo que a cada ano eu tenho maior quantidade de pedagogos e professores interessados sobre o assunto.

Hoje já não dá mais para a gente estudar como ensinar e aprender com um jargão de teóricos de aprendizagem. O importante é sempre contextualizar, trazer esta realidade para que o professor não fique muito distante dessa questão da pedagogia e neurociência. Esse diálogo é fundamental entre essas duas áreas: educação e saúde.

Atualmente, muitas secretarias de Educação têm ofertado aos seus professores cursos de neurociência para que eles possam melhorar o ensino em sala de aula. Como a senhora vê essas práticas?
Minha preocupação enquanto pesquisadora é não fazer disso uma panaceia de resolução de problemas nem ver na neurociência uma teoria. A neurociência é um suporte científico, ela não é uma teoria até porque os cérebros são diferentes e funcionam de formas diferentes.

Não existe uma teoria efetiva, mas existe um olhar de entendimento e compreensão daquele aluno que segue ou daquele aluno que fica retido no processo de aprendizagem. Quais são os resultados que poderíamos esperar da aplicação de práticas pedagógicas relacionadas a neurociência na sala de aula?
A neurociência ainda é recente no Brasil; estamos trabalhando efetivamente de uns cinco anos para cá. Mas posso responder, de acordo com minhas experiências, que nas turmas em que eu aplico determinados recursos táteis, visuais etc, quando eu utilizo várias maneiras de trabalhar o aprendizado, o sucesso do conhecimento e da aplicação no cotidiano, sem dúvida nenhuma, é de 70 a 80% melhor do que na aula convencional, aquela que a gente costuma chamar de “cuspir giz”, que é quando o professor fica preso no quadro e fala daquela maneira bastante monótona e tradicional.

Porém, muitas escolas, principalmente as públicas, não possuem esses recursos materiais. Como o professor de uma escola pública pode trabalhar a neurociência?
O professor tem vários caminhos para trabalhar com esses recursos. Não precisa ser necessariamente caros ou tecnológicos, mas eles tem outros recursos mais interessantes até de se fazer e produzir. Coisas que, na escola particular, muitas vezes, já está tudo pronto, mas na escola pública tem que fazer mesmo, através de materiais reutilizáveis, o que torna a tarefa muito interessante.

Mas é possível ter um nível bom de aprendizado somente com a aula convencional?
Eu vejo que o professor tem que ser um encantador. Ele pode até fazer uma aula de quadro e giz, mas que esse quadro seja uma viagem para o aluno. O professor tem que ser emocional naquilo que fala, tem que ter paixão naquilo que faz, tem que babar e fazer o outro babar de desejos.

Ele tem que comer a frutinha e mostrar para o aluno que aquilo é muito bom, porque aprender é uma relação emocional e afetiva. Então ele pode até ter um recurso que seja só um quadro e um giz, mas ele tem que fazer com que esse aluno viaje e traga o imaginário dele para emoldurar esse conteúdo numa relação de afeto e de emoção.

A internet também trouxe mais desafios para o professor que, agora, também tem que dominar outro tipo de linguagem. Como a neurociência pode ajudar nesse processo de aprendizagem que, a cada dia, torna-se mais complexo?
A internet vem como uma ferramenta. O que acontece nessa questão da aprendizagem é uma questão de foco. Para aprender é necessário que a gente foque nos nossos alunos, que a gente roteirize e organize o conteúdo para que eles tenham um ritmo neural. Então tudo é válido, desde que seja dosado.

Se o adolescente vem com um cabedal grande de informações, nós temos que transformar isso em conhecimento, transcrevendo isso para o cotidiano. Não é toa que tem muitos assuntos na internet que são mais interessantes do que uma fórmula matemática, porque não se mostra ao aluno onde ele vai aplicar essa fórmula na prática.

O que eu penso é que está faltando é foco nessa resistência que a própria educação tem em relação a tecnologia. A gente encontra ainda muitos professores resistentes, focados numa Pedagogia anterior. Aí é claro que se aprendemos com o cérebro, formando certas conexões, e esse professor não potencializa esse determinado estímulo, estamos de novo na contramão da educação.

Quem é o que fez?

Marta Pires Relvas é bióloga, mestre e doutora em Psicanálise. Também é psicopedagoga, pós-graduada em Anatomia Humana e especialista em Neurofisiologia Humana, Bioética Aplicada e em Didática do Ensino Superior. Atualmente é professora dos cursos de graduação e pós graduação da Universidade Estácio de Sá, coordenadora do curso de pós-graduação de Neurociência Pedagógica da Universidade Cândido Mendes, docente do curso de pós-graduação em Neuropsicologia da Faculdade de Artes do Paraná e no Instituto de Educação Segmentum (Salvador).

Também é professora do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação e membro da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento. Escreveu os Fundamentos Biológicos da Educação, Neurociência e os Transtornos da Aprendizagem e Neurociência e Educação, todos publicados pela Editora WAK.

Fonte: Tribuna do Planalto


Um comentário:

  1. Uma profissional de respeito absoluto em tudo que diz e faz. Um orgulho poder compartilhar de seu sucesso. Parabéns!!!!!

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