Brincar com Lego pode ser mais do que uma maneira de prevenir o tédio; para algumas crianças, tem o poder de melhorar suas habilidades sociais e desenvolver a autoestima.
A terapia Lego ou "Legoterapia" é um programa de desenvolvimento social para crianças com transtorno do espectro do autismo ou dificuldades relacionadas à comunicação.
O filho de Debi Richmond, Adam, de 10 anos, diagnosticado com autismo, melhorou sua consciência social através de sessões com Lego.
“Ele utiliza [o brinquedo] como uma ferramenta calmante”, Richmond disse ao The Huffington Post UK. “Permitiu que Adam fosse ele mesmo e compartilhasse um interesse comum com os outros.”
Adam Richmond melhorou suas habilidades de comunicação e sociais através de sessões de Lego terapia.
Inicialmente desenvolvida por Dan LeGoff, neuropsicólogo clínico nos Estados Unidos, a prática agora está disponível para terapeutas de todo o mundo.
As pesquisas sobre os benefícios da Lego terapia foram conduzidas por LeGoff e Gina Gomez de la Cuesta.
A dupla lançou seu primeiro livro em 2014, para divulgar os benefícios que a terapia poderia exercer sobre crianças com autismo.
Gomez de la Cuesta estudou a abordagem durante seu doutorado no Centro de Pesquisa de Autismo, onde teve aulas com LeGoff. Ela foi a primeira pessoa a criar grupos de terapia Lego no Reino Unido.
“Crianças com autismo têm dificuldades com a interação social, comunicação social e imaginação social”, disse Gomez de la Cuesta ao HuffPost UK.
“Por outro lado, elas podem ter habilidades visuais-espaciais muito boas, atenção aos detalhes e apreciar a resolução sistemática de problemas.”
“Você pode entender o Lego como um brinquedo previsível e bastante sistemático, que segue determinadas regras ou restrições — embora, claro, dentro dessas restrições de como os blocos se encaixam, você possa ser criativo tanto quanto queira.”
Então, o que acontece durante a terapia Lego?
As crianças se inscrevem em um curso de oito semanas, que normalmente consiste em uma sessão de duas horas semanais.
As sessões começam com as crianças cumprimentando umas às outras e depois trabalhando em grupos de três para montar os modelos.
Gomez de la Cuesta explicou que as crianças recebem diferentes responsabilidades durante a sessão.
“Há uma grande ênfase nas crianças tomando decisões sobre o que será montado, qual será o papel de cada um e por quanto tempo”, acrescentou.
Um criança será o “engenheiro” que descreve as instruções, outra será o “fornecedor” que busca os blocos, e a terceira criança no grupo é a “construtora” que junta as peças.
“As crianças se revezam para desempenhar esses diferentes papéis”, explica Gomez de la Cuesta.
“Ao dividir a tarefa de construir (algo que as crianças com autismo gostam de fazer), as crianças precisam trabalhar em conjunto, se comunicar, resolver problemas comuns e praticar muitas habilidades sociais diferentes (coisas que são muito difíceis para crianças com autismo).
“O adulto treinado que lidera a atividade trabalha com as crianças para facilitar suas interações sociais. Seu trabalho é destacar os problemas sociais para as crianças quando estes surgem e treiná-las a encontrar suas próprias soluções para dificuldades sociais.”
Gomez de la Cuesta disse que a terapia Lego é enormemente benéfica, por ajudar as crianças a aprender como construir relacionamentos com os outros.
“Oportunidades naturais para o desenvolvimento da competência social são facilitadas pelo terapeuta”, acrescentou.
“O Lego também tem uma verdadeira moeda social com outras crianças. Por isso, as crianças podem falar com outras fora dos grupos e ganhar mais experiência em interações sociais.”
Uma das principais razões para esta terapia ser tão eficaz é que brincar com Lego é familiar para a maioria das crianças, explicou a pesquisadora.
Crianças que possam apresentar resistência em frequentar um grupo típico de habilidades sociais porque o consideram difícil e estressante podem se sentir muito mais confiantes e relaxadas indo a um grupo Lego.
“Fundamentalmente, as crianças estão aprendendo em um ambiente naturalista — ou seja, estão aprendendo à medida que brincam umas com as outras — e as dificuldades sociais que surgem no grupo são abordadas e discutidas à medida que acontecem”, Gomez de la Cuesta acrescentou.
A pesquisadora disse que as crianças com autismo são frequentemente muito boas em montar modelos Lego, no sentido de que a terapia pode melhorar sua autoestima.
“Elas recebem um elogio genuíno por algo que fizeram, ao contrário de quando estão na escola, onde podem ter um desempenho abaixo do esperado e serem repreendidas frequentemente”, disse.
O fato de que as crianças nos grupos também estão conhecendo outras semelhantes a elas lhes dá a sensação de “identidade compartilhada”.
Isso é algo que Richmond acredita ter aumentado a confiança de seu filho Adam.
“Decidimos ir em frente com a terapia Lego devido ao fato de que Adam tem uma fascinação e interesse no Lego”, explicou.
“Queríamos ajudar com suas habilidades sociais e que ele conhecesse outras crianças no espectro, talvez fazer um amigo. Adam frequentou oito sessões de terapia em um curso todos os sábados e realmente se divertiu desde o início”, disse a mãe.
“Durante os workshops, Adam e os grupos de meninos e meninas trabalharam muito em equipe, compartilhando, se revezando e aprendendo, através de um jogo muito criativo, como se comunicar e usar habilidades sociais em um nível diferente”, acrescentou.
“Os grupos montaram cenários incríveis e conseguimos ver compaixão e compromisso pela terapia Lego todas as semanas. Frequentar esses grupos permitiu que ele fosse ele mesmo e compartilhasse um interesse comum com os outros. Ao fazer isso, ele compartilhava e se revezava apropriadamente, usando suas habilidades de comunicação e socializando em um ambiente criativo.”
Richmond disse que o resultado de trabalhar em grupo e completar uma tarefa foi uma grande conquista para Adam, de muitas maneiras, permitindo que ele aprendesse brincando e recebesse elogios sinceros por suas habilidades de construção.
“Adam experimenta emoções positivas e negativas em diferentes níveis quando está criando e brincando normalmente, mas com uma tarefa completada de um modelo Lego, ele é capaz de focar em suas conquistas de muitas maneiras”, acrescentou Richmond.
“A terapia Lego começou a beneficiá-lo em seu dia a dia. Ele sempre está pensando em sua próxima criação e, em casa, desmonta seu kit Lego e usa a imaginação para criar outra coisa melhor.”
Nicola Brims disse que seu filho Zachary, de 14 anos, que está no espectro autista, melhorou a autoconfiança ao frequentar os grupos.
Ele entrou em um curso de terapia Lego de oito semanas, com sessões semanais de duas horas.
“À medida que as semanas iam passando, Zac ficou mais disposto a falar no grupo”, disse Brims.
“Ele começou não querendo falar muito e, depois de algumas semanas, conseguia conversar muito mais com seu grupo e de forma eficaz. Fora do grupo, foi realmente muito valioso para a família que Zac tivesse um canal social, e que parecia deixá-lo geralmente mais feliz e sentindo-se bem em relação às suas conquistas.”
“Ele tem se mostrado entusiasmado com o Lego há anos, portanto parecia ser uma oportunidade ideal para que ele desenvolvesse certa autoconfiança e habilidades sociais usando uma atividade da qual gosta muito. Se o grupo não fosse apoiado na terapia Lego, não acredito que teria conseguido convencê-lo a frequentá-lo”, disse Brims.
Camilla Nguyen, que coordena grupos de terapia Lego para crianças em Camden, Londres, disse que as atividades também são eficazes para melhorar a saúde mental das crianças.
Também fã do Lego, ela ficou intrigada pela ideia de como o jogo poderia ajudar crianças com autismo e acabou indo estudar no Centro de Pesquisa de Autismo, com os professores Gina Gomez de la Cuesta e Simon Baron-Cohen.
Nguyen criou seu grupo de terapia Lego como parte de um serviço de bem-estar mental e emocional para crianças chamado CHUMS. Muitas das criança participantes enfrentavam dificuldades, como mau humor e ansiedade.
“Muitas crianças que frequentavam o grupo tinham sido socialmente excluídas por serem autistas”, disse Nguyen ao HuffPost UK. “Muitas delas se sentem muito diferentes das crianças com desenvolvimento típico quando frequentam escolas regulares, porque são isoladas.”
“O grupo Lego, no entanto, permitiu que as crianças e os jovens se sentissem parte de uma comunidade com autismo e fizessem novos amigos, ao mesmo tempo praticando algo que eles realmente gostavam — montando Lego e sendo criativos.”
Nguyen disse que os pais — e as próprias crianças — muitas vezes se aproximam para discutir o impacto positivo observado.
“Um dos adolescentes que frequentou o grupo veio até mim, já no último dia da sessão em grupo, e contou que havia conseguido um emprego na Sainsbury’s [rede de supermercados no Reino Unido]”, disse.
“Era um garoto que se descrevia com baixa autoestima e muito ansioso antes da sessão Lego. Ele sentiu que frequentar o grupo proporcionou a confiança extra necessária para conquistar o mundo. Foi um momento de orgulho, não apenas para ele, mas também para mim, porque senti que causei um impacto positivo na vida de um jovem”, afirmou Nguyen.
Gomez de la Cuesta disse que também ficou impressionada com o impacto positivo que a terapia Lego pode ter sobre a saúde mental de uma criança.
“Nos meus grupos originais para meu doutorado, descobri que, para algumas crianças, a terapia Lego foi o ‘momento da lâmpada’ para o indivíduo”, disse.
“Por exemplo, um menino progrediu [ao começar] a brincar no parquinho da escola com outras crianças, enquanto anteriormente ficava dentro [da escola] com a professora na hora do recreio.”
“Outra mãe disse que o grupo Lego foi o primeiro clube ou grupo onde seu filho não sentiu nenhum estresse ao participar, o que, para ela, foi impressionante.”
Gomez de la Cuesta disse que, embora a pesquisa sobre a técnica terapêutica ainda seja incipiente, ela acredita que o programa tenha potencial para ajudar muitas crianças que enfrentam dificuldades no meio social.
“Há um crescente interesse em usá-la para pessoas que possuem dificuldades sociais por outras razões (por exemplo: uma lesão cerebral ou ansiedade social).”
“A pesquisa até agora foi focada em crianças com autismo de alto funcionamento. A abordagem também pode ser adaptada para crianças com baixo funcionamento ou para crianças que se comunicam mais, e alguns talentosos terapeutas de linguagem e de fala estão trabalhando nisso neste momento,” afirma Gomez de la Cuesta.
Para mais informações sobre a terapia Lego, acesse o site: www.bricks-for-autism.co.uk(em inglês).
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