O autismo é classificado como um transtorno global do desenvolvimento, assim como outras síndromes, como a de Rett, a de Heller e a de Asperger, esta última considerada uma forma branda do distúrbio. A medicina considera hoje que a doença é uma combinação de fatores genéticos e ambientais — em uma proporção de 90% para herança genética de genes e de 10% para fatores ambientais
"Amar uma criança autista é uma conquista que se dá aos poucos — é a calmaria após o turbilhão — por detalhes, por pequenos detalhes, olhares de soslaio." A frase é do texto na contracapa do livro Poemas para uma criança autista, da pedagoga e psicóloga Marisa Cordeiro, hoje com 57 anos. Mesmo com o respaldo profissional, não é a Marisa professora, tampouco a psicóloga, quem assina o livro. A autora em questão é mãe.
Na época em que foi publicado, 1989, Marco Antônio, o primogênito de Marisa, tinha 9 anos e exibia nos retratos que permeiam as páginas do livro um sorriso travesso, como de qualquer criança da sua idade. Hoje, é um homem de 33 anos, alto, moreno, um porte que dificilmente passaria despercebido e já com os primeiros grisalhos no alto da cabeça. Por dentro, no entanto, preserva a mesma inocência do garoto retratado anos antes na obra da mãe. Marco Antônio foi diagnosticado autista ainda nos primeiros anos da infância. O livro é um apanhado de mensagens e desabafos de Marisa ao filho — ao qual ela carinhosamente se refere como "principezinho" nos seus poemas.
É uma segunda-feira à tarde e Marco Antônio está na AMA — Associação dos Amigos dos Autistas —, onde passa grande parte dos dias da semana em tratamento psicológico. Aqui no Distrito Federal, a associação faz atendimento apenas de adultos, o que não é regra para as outras filiais país afora. Seu aniversário foi há pouco e o dia é de bolo, refrigerante e pão de queijo na associação. Marco não parece ansioso e é difícil decifrar — pelo menos para as pessoas que não convivem com ele diariamente — se ele sabe o motivo de toda a movimentação ali. Tem o semblante calmo, sorridente e sereno, características raras entre a maioria dos homens da sua idade, quase todos bem mais sisudos e apressados entre uma e outra reunião. Provavelmente uma vantagem que a condição médica lhe deu, entre tantas outras dificuldades contra as quais ainda hoje luta de mãos dadas com a mãe e especialistas.
O diagnóstico de Marco Antônio veio da mesma forma como ocorre na maioria das famílias de crianças com autismo: após uma longa e exaustiva — física e emocionalmente — peregrinação por profissionais e consultórios, das mais variadas especialidades e linhas de conduta. Mas, ao contrário do processo comum, em que os pais só notam que há algo de errado com a criança quando ela começa a apresentar atraso na fala e em outros campos do desenvolvimento, como o andar, Marisa foi mais rápida em ligar o radar. "Desde criancinha, eu já notava que havia nele algo diferente. Ele era um bebê inquieto, muito agitado, chorão", lembra Marisa. Com o passar dos meses, as diferenças que separavam o mundo de Marco do da mãe ficaram ainda mais evidentes. Ele evitava contato visual mesmo com as pessoas mais próximas, passou a andar nas pontas dos pés e a fugir do contato físico.
"Existe um sofrimento muito grande", desabafa Marisa. "Qual é a mãe que não sente se o filho não lhe olha nos olhos? Mas é tanta coisa que vem depois que isso acaba ficando pequeno", continua. A avidez por conhecimento que lhe acompanha desde a juventude e o diagnóstico de Marco Antônio fizeram dela uma especialista. Tanto que, no fim dos anos 1980, ajudou a fundar a hoje extinta Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas (Asteca). As linhas terapêuticas — existem pelo menos quatro usadas frequentemente por psicólogos com autistas —, os sintomas, os mitos e verdades, tudo lhe sai naturalmente pela boca. Mas nem sempre foi tão fácil. Marisa precisou enfrentar preconceitos; ver a família se afastar — o marido, pai de Marco, inclusive —; aprender a se comunicar com o filho; ensiná-lo, como quem ensina um novo dialeto a um estrangeiro, a ter um pouco de independência; e vibrar com cada pequena conquista, como escovar os dentes e amarrar os sapatos.
Embora os primeiros sinais do autismo possam surgir ainda nos primeiros meses da criança — como a falta de contato visual no momento da amamentação, por exemplo —, raramente o diagnóstico é conclusivo antes dos 24 meses de vida. Alguns pais de autistas mais funcionais, das chamadas "cores claras" do espectro, só vão saber o motivo do comportamento "estranho" do filho na fase adulta.
"Amar uma criança autista é uma conquista que se dá aos poucos — é a calmaria após o turbilhão — por detalhes, por pequenos detalhes, olhares de soslaio." A frase é do texto na contracapa do livro Poemas para uma criança autista, da pedagoga e psicóloga Marisa Cordeiro, hoje com 57 anos. Mesmo com o respaldo profissional, não é a Marisa professora, tampouco a psicóloga, quem assina o livro. A autora em questão é mãe.
Na época em que foi publicado, 1989, Marco Antônio, o primogênito de Marisa, tinha 9 anos e exibia nos retratos que permeiam as páginas do livro um sorriso travesso, como de qualquer criança da sua idade. Hoje, é um homem de 33 anos, alto, moreno, um porte que dificilmente passaria despercebido e já com os primeiros grisalhos no alto da cabeça. Por dentro, no entanto, preserva a mesma inocência do garoto retratado anos antes na obra da mãe. Marco Antônio foi diagnosticado autista ainda nos primeiros anos da infância. O livro é um apanhado de mensagens e desabafos de Marisa ao filho — ao qual ela carinhosamente se refere como "principezinho" nos seus poemas.
É uma segunda-feira à tarde e Marco Antônio está na AMA — Associação dos Amigos dos Autistas —, onde passa grande parte dos dias da semana em tratamento psicológico. Aqui no Distrito Federal, a associação faz atendimento apenas de adultos, o que não é regra para as outras filiais país afora. Seu aniversário foi há pouco e o dia é de bolo, refrigerante e pão de queijo na associação. Marco não parece ansioso e é difícil decifrar — pelo menos para as pessoas que não convivem com ele diariamente — se ele sabe o motivo de toda a movimentação ali. Tem o semblante calmo, sorridente e sereno, características raras entre a maioria dos homens da sua idade, quase todos bem mais sisudos e apressados entre uma e outra reunião. Provavelmente uma vantagem que a condição médica lhe deu, entre tantas outras dificuldades contra as quais ainda hoje luta de mãos dadas com a mãe e especialistas.
O diagnóstico de Marco Antônio veio da mesma forma como ocorre na maioria das famílias de crianças com autismo: após uma longa e exaustiva — física e emocionalmente — peregrinação por profissionais e consultórios, das mais variadas especialidades e linhas de conduta. Mas, ao contrário do processo comum, em que os pais só notam que há algo de errado com a criança quando ela começa a apresentar atraso na fala e em outros campos do desenvolvimento, como o andar, Marisa foi mais rápida em ligar o radar. "Desde criancinha, eu já notava que havia nele algo diferente. Ele era um bebê inquieto, muito agitado, chorão", lembra Marisa. Com o passar dos meses, as diferenças que separavam o mundo de Marco do da mãe ficaram ainda mais evidentes. Ele evitava contato visual mesmo com as pessoas mais próximas, passou a andar nas pontas dos pés e a fugir do contato físico.
"Existe um sofrimento muito grande", desabafa Marisa. "Qual é a mãe que não sente se o filho não lhe olha nos olhos? Mas é tanta coisa que vem depois que isso acaba ficando pequeno", continua. A avidez por conhecimento que lhe acompanha desde a juventude e o diagnóstico de Marco Antônio fizeram dela uma especialista. Tanto que, no fim dos anos 1980, ajudou a fundar a hoje extinta Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas (Asteca). As linhas terapêuticas — existem pelo menos quatro usadas frequentemente por psicólogos com autistas —, os sintomas, os mitos e verdades, tudo lhe sai naturalmente pela boca. Mas nem sempre foi tão fácil. Marisa precisou enfrentar preconceitos; ver a família se afastar — o marido, pai de Marco, inclusive —; aprender a se comunicar com o filho; ensiná-lo, como quem ensina um novo dialeto a um estrangeiro, a ter um pouco de independência; e vibrar com cada pequena conquista, como escovar os dentes e amarrar os sapatos.
Embora os primeiros sinais do autismo possam surgir ainda nos primeiros meses da criança — como a falta de contato visual no momento da amamentação, por exemplo —, raramente o diagnóstico é conclusivo antes dos 24 meses de vida. Alguns pais de autistas mais funcionais, das chamadas "cores claras" do espectro, só vão saber o motivo do comportamento "estranho" do filho na fase adulta.
Mesmo com o avanço dos estudos e o conhecimento cada vez maior em relação a causas e tratamentos, quase sempre o autismo é visto como mistério. Ele não dá sinais durante a gestação, não traz características físicas marcantes e não aparece em exames laboratoriais nem de imagem, embora esses sejam frequentemente requisitados por especialistas para que outras causas de atraso motor sejam descartadas. O diagnóstico vem da simples observação de que, por algum mecanismo neurológico atípico ainda pouco conhecido, o seu filho não se comporta como os outros. E é, geralmente, o ponto-chave que separa a vida idealizada pelos pais em relação ao rebento da que, de fato, virá pela frente.
Stella andou e falou no tempo esperado, interagia com outras crianças no parquinho e dava sinais de um desenvolvimento típico. Até que pouco antes de completar 2 anos, parou. "Foi como se ela tivesse perdido todo o vocabulário que tinha até ali. Ficou mudinha", lembra a mãe, Evellyn Diniz, 36 anos. Ao mesmo tempo, a menina começou a apresentar as chamadas estereotipias, comportamentos característicos do transtorno, mas que, na época, soavam quase como maluquice para a mãe da menina.
"Ela começou a chacoalhar as mãozinhas no ar, a andar na ponta dos pés, ficava horas mexendo os dedinhos da mão em frente dos olhos, se tremia toda, parecia que estava tendo um troço", lembra. Além disso, a menina, hoje com 6 anos, passou a apresentar sensibilidade auditiva e sensorial acima do normal, o que não é uma regra, mas é bastante comum em crianças com autismo. "Ela tinha a maior dificuldade de ficar de roupa. Às vezes, tirava tudo no meio da rua. E mesmo o menor dos ruídos a incomodava a ponto de ela enfiar quase a metade dos dedinhos no ouvido para se proteger."
Um dia à noite, enquanto fazia uma pesquisa para o trabalho, Evellyn jogou os sintomas da filha em um site de buscas da internet. Às 4h, acordou o marido: "Eu sei o que a nossa filha tem". É, a partir dessa primeira desconfiança, tem início a odisseia da família em busca do diagnóstico. Embora Evellyn tenha encontrado sozinha as primeiras respostas, interpretar os sinais de que existe algo de errado é mais difícil do que parece. Em geral, os pais só enxergam o problema quando alguém de fora o aponta. Um tio, um amigo, um professor. Alguém próximo o bastante para reparar na criança, mas não tão próximo que ache graça até mesmo nos seus comportamentos pouco convencionais.
Stella andou e falou no tempo esperado, interagia com outras crianças no parquinho e dava sinais de um desenvolvimento típico. Até que pouco antes de completar 2 anos, parou. "Foi como se ela tivesse perdido todo o vocabulário que tinha até ali. Ficou mudinha", lembra a mãe, Evellyn Diniz, 36 anos. Ao mesmo tempo, a menina começou a apresentar as chamadas estereotipias, comportamentos característicos do transtorno, mas que, na época, soavam quase como maluquice para a mãe da menina.
"Ela começou a chacoalhar as mãozinhas no ar, a andar na ponta dos pés, ficava horas mexendo os dedinhos da mão em frente dos olhos, se tremia toda, parecia que estava tendo um troço", lembra. Além disso, a menina, hoje com 6 anos, passou a apresentar sensibilidade auditiva e sensorial acima do normal, o que não é uma regra, mas é bastante comum em crianças com autismo. "Ela tinha a maior dificuldade de ficar de roupa. Às vezes, tirava tudo no meio da rua. E mesmo o menor dos ruídos a incomodava a ponto de ela enfiar quase a metade dos dedinhos no ouvido para se proteger."
Um dia à noite, enquanto fazia uma pesquisa para o trabalho, Evellyn jogou os sintomas da filha em um site de buscas da internet. Às 4h, acordou o marido: "Eu sei o que a nossa filha tem". É, a partir dessa primeira desconfiança, tem início a odisseia da família em busca do diagnóstico. Embora Evellyn tenha encontrado sozinha as primeiras respostas, interpretar os sinais de que existe algo de errado é mais difícil do que parece. Em geral, os pais só enxergam o problema quando alguém de fora o aponta. Um tio, um amigo, um professor. Alguém próximo o bastante para reparar na criança, mas não tão próximo que ache graça até mesmo nos seus comportamentos pouco convencionais.
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