por Raquel Ribeiro Prado Gonzaga
Em
2013, fui informada que num grupo de 20 alunos do curso de inglês do nível
básico 2 haveria um aluno com deficiência visual. Percebi que tinha um desafio
nas mãos e a minha maior preocupação era como fazer esse
estudante aprender e se sentir parte da sala de aula, sem se sentir
vitimizado.
Na
primeira aula, eu realmente não sabia como fazer, já que existem muitos
estímulos visuais na aula de inglês. Ele participava apenas seguindo meus
passos com o movimento da cabeça. Foi quando reparei que ele tinha um celular.
Como eu tenho um blog sobre aplicativos e tecnologia* desde 2011, eu vi no
aparelho uma opção.
(Para assistir ao vídeo, clique AQUI).
Nessa
época, eu também comecei a pesquisar sobre o uso de código QR na educação,
porque essa é uma ferramenta que não precisa de acesso à internet. Nessa época,
não tinha wi-fi na escola e poucas pessoas tinham acesso ao 3G, e eu sempre
considerei essa questão de usar recursos que não precisem de internet. É
importante pensar dessa forma no Brasil, considerando as diferentes realidades
que a gente tem.
Depois
de explicar que com o QR Code eu conseguia passar uma mensagem por meio de um
“código de barras”, eu perguntei como ele mexia no celular. E ele explicou:
“teacher, o meu celular está programado para eu ouvir tudo o que for enviado
pra ele”. A partir daí, eu comecei a entender o mundo dele e o que fazia
sentido para uma pessoa com deficiência visual. Também coloquei os meus
dispositivos no modo de acessibilidade para entender como tudo isso funcionava.
Então
eu perguntei a ele se transformar a mensagem escrita num estímulo de voz o
ajudaria, e ele disse que sim. Para fazer o primeiro teste, eu fiz um código
com uma informação simples, ele baixou o aplicativo que lê esses códigos e
eu peguei a mão dele para direcionar a foto do código. Na hora que o celular
falou a mensagem e ele repetiu a frase em inglês, foi um momento muito
emocionante pra nós dois. A gente entendeu que funcionava e que existia um
caminho pra tentar.
Algumas
editoras dos livros que usamos em sala informam que fornecem o áudio. Só que
pra alguém que não enxerga, não funciona muito, por diz apenas figura 1, figura
2”. Então nós tivemos que adaptar as coisas. Para que compreendesse as
perguntas e imagens que são expostas na lousa, eu as transformava em um
código QR no meu celular. Depois, pegava a mão dele, direcionava e ele
escaneava. Ele conseguia ouvir o áudio da mensagem diversas vezes. Ouvindo as
perguntas com o fone, ele conseguia interagir com os colegas, sem que eu
precisasse chegar perto do ouvido dele para falar qual era a
pergunta. Se tivesse alguma dúvida, seria o mesmo tipo que qualquer outro
aluno poderia ter.
A
dinâmica funcionou tão bem que algumas pessoas da turma também falavam
“teacher, eu quero escanear!”. A nossa prática deu ao aluno uma situação de
igualdade perante os colegas. Além disso, ele foi acumulando uma série de
códigos no celular e me contou que ia ouvindo no metrô, voltando pra casa.
Outra
questão que precisava resolver era referente aos momentos em que não estava na
aula. Como ele se locomovia sozinho na cidade e não tinha cão
guia, quando chovia, não tinha como ir. O código QR me ajudava na sala, mas eu
precisava de uma coisa a mais. Então comecei a trabalhar com o gravador de voz,
que também é um aplicativo que vem em todo celular.
Para as
aulas que ele faltava, eu gravava um pequeno áudio, de cinco a sete minutos e,
se tinha uma palavra nova, por exemplo, eu soletrava e mandava tudo por email,
pra ele ouvir no celular.
Foram
duas técnicas muito simples que nos ajudaram e fizeram com que o aluno
fosse bem aceito pelo grupo. De forma alternada ao longo das aulas,
todo mundo interagiu com ele. Na primeira vez que outros alunos iam fazer
atividade com ele, era tudo novidade. Depois, todos se acostumaram e ele já
reconhecia na hora que a pessoa sentava ao lado e falava “hello, fulano”.
Nós,
como professoras, temos essa preocupação do aluno presenciar e integrar o grupo.
Você não pode falar pra turma “gente, ele tem uma deficiência visual”.
Você tem que adaptar para que o conteúdo faça sentido para as limitações que o
aluno tem, além de promover uma integração com os colegas.
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