“
Um estudo inovador sugere que as pessoas com perturbações do espectro
do autismo, tais como Asperger, não têm falta de empatia – pelo
contrário, sentem as emoções dos outros com demasiada intensidade para
conseguirem lidar com elas.”
“As
pessoas com o Síndrome de Asperger, uma forma de autismo de alto
funcionamento, são muitas vezes estereotipadas como sendo “totós”
distantes que se isolam ou robóticos. Mas, e se o que parece frieza ao
mundo exterior for uma resposta devido a estar assoberbado por emoções –
um excesso de empatia e não falta dela?
Esta
ideia faz sentido a muita gente que sofre de perturbações do espectro
do autismo e às suas famílias. Também está alinhada com a teoria do
“mundo intenso”, uma nova forma de pensar sobre a natureza do autismo.
Segundo Henry e Kamila Markram, do Swiss Federal Institute of Technology, em
Lausanne, a teoria sugere que o problema fundamental nas perturbações
do espectro do autismo não é uma deficiência social mas, pelo contrário,
uma hipersensibilidade à experiência, o que inclui um medo avassalador
da resposta.
“Eu
posso entrar numa sala e sentir o que toda a gente está a sentir”, diz
Kamila Markram. “O problema é que me chega tudo mais depressa do que eu
posso processar. Há aqueles que dizem que as pessoas autistas não sentem
o suficiente. Nós dizemos exatamente o contrário: elas sentem em
demasia.”
Praticamente
toda a gente com perturbações do espectro do autismo (PEA) relatam
diversos tipos de excesso de sensibilidade ou medo intenso. Os Markrams
argumentam que as dificuldades sociais de quem tem perturbações do
espetro do autismo têm origem na tentativa de lidar com um mundo onde
alguém levantou o volume acima do 10 nos cinco sentidos (físicos) e em
todos os sentimentos.
Se ao ouvir as vozes dos seus pais, quando estava sentado no berço, lhe parecesse estar a ouvir a Metal Machine Music do Lou Reed sob o efeito de ácido, provavelmente também iria preferir enrolar-se num canto e balançar-se.
Mas,
é claro, este tipo de recolhimento e de comportamento auto-calmante –
movimentos repetitivos; repetição de palavras ou atos; evitar o contacto
ocular – interfere com o desenvolvimento social. Sem a experiência que
as outras crianças têm através das interações sociais normais, as
crianças no espectro nunca chegam a aprender a compreender os sinais
sutis.
Phil
Schwarz, vice-presidente da Associação de Asperger, da Nova Inglaterra,
acrescenta, “Eu acho que a maioria das pessoas com PEA sente-se
emocionalmente empática e preocupa-se profundamente com o bem-estar dos
outros.”
Portanto,
porque é que tantas pessoas veem falta de empatia com uma
característica que define a perturbação do espectro do autismo?
O
problema começa na complexidade da própria empatia. Um aspecto é
simplesmente a capacidade de ver o mundo a partir da perspectiva do
outro. Outra é mais emocional – a capacidade de imaginar o que o outro
está a sentir e, como resultado, preocupar-se com a sua dor.
As
crianças autistas tendem a desenvolver a primeira parte da empatia –
que é chamada de “teoria da mente” – mais tarde que as outras crianças.
Isto foi demonstrado num ensaio clássico. É pedido às crianças que
observem dois fantoches, a Sally e a Anne. A Sally pega num berlinde e
coloca-o num cesto, depois sai de cena. Enquanto está fora de cena, a
Anne pega no berlinde e põe-no numa caixa. Pergunta-se então às
crianças: onde é que a Sally vai procurar pelo berlinde dela quando
voltar?
A
maioria das crianças com 4 anos de idade sabe que a Sally não viu a
Anne a mudar o berlinde de sítio e, por isso, acertam. Aos 10 ou 11
anos, as crianças com problemas no desenvolvimento que tenham QI verbal
equivalente ao de uma criança de 3 anos, também acertam. Mas 80% das
crianças autistas, com idades entre os 10 e os 11, adivinham que a Sally
procurará na caixa, porque sabem onde está o berlinde e não se
apercebem de que as outras pessoas não partilham do seu conhecimento.
É
claro que se você não se aperceber de que os outros vêm e sentem coisas
diferentes, provavelmente preocupar-se-á menos com eles.
É
preciso muito mais tempo a uma criança autista do que a uma sem
autismo, para se aperceber de que os outros têm experiências e
perspectivas diferentes – e o tempo que leva este desenvolvimento varia
muito. Mas isso não significa que, uma vez que uma pessoa com
perturbações do espectro do autismo se aperceba da experiência do outro,
não se preocupe ou não queira estabelecer relação.
Schwarz,
da Associação de Asperger da Nova Inglaterra, diz que todos os adultos
autistas que conhece, com mais de 18 anos, têm um melhor sentido do que
os outros sabem do que o teste Sally/Anne sugere.
Quando
se trata de não compreender o estado interno de mentes muito diferentes
das nossas, a maioria das pessoas também não consegue lá chegar, diz
Schwarz. “Mas a maioria não autista tem livre-trânsito porque, se
assumir que a mente do outro funciona como a sua própria, tem muito
maior probabilidade de estar certo”.
Portanto,
quando, por exemplo, uma criança com Asperger fala incessantemente
sobre os seus interesses intensos, não esta a dominar deliberadamente a
conversa mas, simplesmente, não considera a possibilidade de poder haver
uma diferença entre os seus interesses e os dos seus pares.
Em temos do aspecto da preocupação inerente à empatia apareceu, num website para
pessoas com perturbações do espectro do autismo chamada
WrongPlanet.net, uma discussão acesa que, aparentemente, suporta a
teoria dos Markrams e que foi iniciada quando uma mãe escreveu a
perguntar se a sua filha, que é empática mas socialmente imatura,
poderia eventualmente ter Asperger.
“Se
tenho alguma coisa, é uma luta por ter empatia em demasia,” diz um. “Se
alguém está aborrecido, eu fico aborrecido. Há momentos na escola em
que outros se portam mal e, se o professor ralha com eles, eu sinto-me
como se me tivessem ralhado a mim.”
Outro diz, “Não faço ideia de quando ler dicas sutis, mas sou muito empático.
Eu posso entrar numa sala e sentir o que todos estão a sentir e acho
que isto é bastante comum no SíndromE de Asperger/autismo. O problema é
que apanho com tudo mais depressa do que consigo processar.”
Estudos
têm descoberto que, quando estão assoberbadas por sentimentos de
empatia, as pessoas tendem a afastar-se. Quando a dor de alguém afeta
outro profundamente pode ser mais difícil a este ajudar do que
afastar-se.
Para
as pessoas com perturbações do espetro do autismo, estes sentimentos
empáticos podem ser tão intensos que se recolhem de uma forma que
aparenta frieza e falta de cuidado.
“Estas
crianças, na verdade, não são não-emotivas. Elas querem interagir – só
que lhes é difícil”, diz Markram. “É muito triste, porque são pessoas
muito capazes. Mas o mundo é intenso demais para elas e, por isso, têm
de se recolher.”
Artigo escrito por Maia Szalavitz
TRADUÇÃO DO ORIGINAL EM:
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