sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Na Etiópia, autistas sofrem por desconhecimento e superstição


Em 1995, a etíope Zemi Yunus não sabia o que era autismo, mas tinha consciência de que seu filho Jojo, então com quatro anos, era "diferente das outras crianças da idade dele". Foi então que seu marido assistiu a um programa de televisão sobre a condição. Na época, a família vivia nos Estados Unidos.
 
De repente, o casal se deu conta de que era possível que Jojo fosse autista. Certamente, os sintomas descritos pareciam indicar isso. Pouco tempo antes de retornar à Etiópia, Zemi começou a pesquisar o assunto com mais profundidade. Zemi disse que, assim como muitos pais de crianças autistas, ela se preocupava com a demora do filho em começar a falar.

"Mimado"
Vários médicos haviam dito a ela que não se preocupasse porque, frequentemente, meninos começam a falar um pouco mais tarde. No entanto, quanto mais pesquisava, mais Zemi reconhecia que o atraso na fala do filho, assim como suas ações repetitivas e dificuldades de comportamento eram claramente manifestações de autismo.
 
Infelizmente, o diagnóstico da condição, particularmente em países em desenvolvimento, é raro. Ao retornar à capital da Etiópia, Addis Abeba, Zemi consultou psicólogos, médicos e outros profissionais durante vários anos. Nunca obteve uma confirmação de suas suspeitas.
 
Dona de seu próprio negócio, a mãe de Jojo teve dificuldade em encontrar uma escola para o filho. Muitos professores diziam que Jojo era "mimado". Ele foi expulso de cinco escolas consecutivamente. Uma instituição pediu pagamento triplo para aceitar Jojo.

Problema Comum
A essa altura, Zemi já tinha pesquisado amplamente o tema e sabia que a ocorrência de autismo na região era bastante alta. Na Etiópia, ninguém falava publicamente sobre o assunto, mas ela insistiu. Começou a procurar por outros pais afetados pelo problema.
 
Zemi ficou chocada com o que encontrou. Famílias com crianças autistas as mantinham em casa, com frequência em quartos escuros. Ela encontrou o caso de uma menina cujas mãos ficavam amarradas atrás das costas, provavelmente para impedir que ela agredisse a si própria. (Esse não é um comportamento raro entre crianças autistas, especialmente quando estão estressadas.)
 
Suas experiências a levaram a querer falar publicamente sobre o autismo. Em 2002, usando seu bem-sucedido negócio para promover suas atividades beneficentes, Zemi inaugurou o Joy Centre for Children with Autism em Addis Abeba.
 
A escola começou a funcionar com quatro alunos - entre eles, seu filho - e três funcionários. Hoje, 75 crianças estão matriculadas na escola e a equipe conta com mais de 30 funcionários. Como a escola não tem fins lucrativos, os pais pagam o que podem. A instituição recebe auxílio da ONU e de outros doadores. A criação do centro levou o governo da Etiópia a iniciar um programa para crianças com necessidades especiais.

"Possuídos pelo demônio"
Isso não quer dizer que os etíopes mudaram sua atitude em relação aos que sofrem de autismo. Muitas pessoas ainda pensam que as crianças afetadas pela condição são possuídas pelo demônio em virtude de pecados cometidos por seus pais. Isso explica por que, frequentemente, crianças autistas são escondidas pelas famílias.
 
Também há muita ignorância sobre o assunto no setor médico. Elias Tegene, um psicólogo que se especializa em autismo, descreve a condição como um novo "tema" que só se tornou conhecido na última década. Apesar da falta de dados oficiais no país, ele acredita que a incidência da condição está crescendo rapidamente.
 
O problema é acentuado pelo fato de que muitos médicos na Etiópia nunca ouviram falar da condição Os que identificam a condição tratam os pacientes como casos psiquiátricos (embora o problema seja, na verdade, neurológico) ou simplesmente dizem aos pais que precisam educar melhor seus filhos.
 
Com base em suas observações, Tegene disse acreditar que o autismo é mais comum em crianças da chamada "geração boom", ou seja, etíopes que viajaram para o exterior para trabalhar e estudar. O menino de nove anos Addis é uma dessas crianças. Ele nasceu em Maryland, nos Estados Unidos, de pais etíopes. Seu diagnóstico foi feito quando ele tinha apenas dois anos. O diagnóstico rápido se deveu ao fato de que Addis nasceu prematuro, com 27 semanas, e já estava sendo monitorado por uma equipe médica.

Vida Ativa
O pai de Addis, Abiy, disse que demorou para que ele e a esposa aceitassem o diagnóstico inicial. "Todo mundo tinha uma teoria sobre por que isso tinha acontecido", disse Abiy. Segundo ele, há uma percepção de que o autismo é mais comum entre comunidades de migrantes vindos do Chifre da África - na região nordeste do continente.
 
"Alguém nos disse que as crianças que tinham sido diagnosticadas em casa (na Etiópia) eram aquelas que tinham nascido no exterior , nos Estados Unidos ou na Europa". Foi a esposa de Abiy, Azeb - uma professora primária hoje se especializando em crianças com necessidades especiais - quem primeiro sugeriu que talvez Addis fosse autista.O marido, no entanto, resistiu à ideia de procurar tratamento por não querer aceitar a realidade. O diagnóstico resultou em um período de muita reflexão para Abiy. Hoje, Addis vive uma vida ativa, cheia de atividades. Ele tem um senso de direção particularmente desenvolvido.
 
"Meu filho é uma criança ótima. Se nasceu com autismo, que seja. Mas ele é o melhor filho (do mundo)", diz Abiy. "Ele se comporta bem e nunca nos atrapalhou de maneira alguma". Embora não haja pesquisas para confirmar a visão do psicólogo Elias, de que o autismo está aumentando entre os etíopes, e especialmente entre os que vivem no exterior, há evidências em relação a crianças da Somália vivendo no exterior.
 
Em 2009, o jornal New York Times publicou uma reportagem dizendo que autoridades do Departamento de Saúde de Minnesota, nos Estados Unidos, tinham chegado a um acordo em relação a um fato impressionante: havia índices mais altos de autismo em crianças somális vivendo no país.
 
Embora enfatizando que a amostra era bastante pequena, as autoridades citadas no artigo disseram que as crianças somális tinham entre duas a sete vezes mais probabilidade de sofrer da condição do que pessoas de outras etnias. Dados da Suécia e de outros pontos dos Estados Unidos parecem reforçar essa teoria.

Pesquisas
Abdirahman D. Mohammed - um médico somáli que trabalha no Axis Medical Centre, em Minneapolis - trata um grande número de pacientes de várias origens e disse não ter dúvidas de que o autismo ocorre em índices anormalmente altos em crianças de origem somali. "Infelizmente, é um problema imenso para a nossa comunidade. Pode causar muita perturbação e ansiedade para as famílias", disse o médico.
 
Além disso, algumas pessoas associam o autismo a programas de imunização infantil - embora esse vínculo nunca tenha sido provado. Como resultado, algumas crianças somális nos Estados Unidos não estão sendo vacinadas contra doenças perigosas.
 
E se de fato existe uma maior concentração de casos de autismo entre crianças da comunidade somali, qual seria a explicação para isso? Mohammed não sabe a resposta. "Será que isso é ambiental, genético, ambos? Não sabemos. É um grande mistério".
 
Felizmente, o US Centre for Disease Control and Prevention acaba de aprovar financiamento para pesquisas sobre o assunto. Talvez sejam necessários mais estudos na Etiópia e entre comunidades de etíopes vivendo no exterior.
 
E de volta a Addis Abeba, os anos se passaram e hoje o filho de Zemi, Jojo, é um jovem de 20 anos. A mãe o descreve como "um jovem bonito, com muitas vitórias". Recentemente, ele começou a dizer algumas palavras. "Ele está prestes a falar. Estou tão animada com isso! As coisas estão caminhando". Histórias como as de Jojo e Addis enchem de esperança as famílias afetadas pelo autismo.

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