quinta-feira, 19 de novembro de 2015

COLUNA DO DIA: Conselhos à Educação



Com aprendentes do século XXI é óbvio que, dentre tantos recursos, as novas tecnologias devem ser incluídas dentre os recursos interventivos da aprendizagem. Elas pertencem ao contemporâneo, ao cotidiano e à realidade, principalmente daqueles nascidos a partir da década de 80. Elas integram os recursos pedagógicos porque renovam (por afinidade) a sensação de pertencimento dos próprios aprendentes no processo de realização das atividades de ensino. Mas não se deve esquecer que o cérebro é tecnologia primeva humana. É o órgão do movimento, da aprendizagem e do conhecimento. É mutável diante da relação com o mundo externo. Logo ensinar (enviar um estímulo) aos aprendentes é propor confrontos com informações pré-conhecidas instaladas na memória a fim de torná-las relevantes no âmbito da relação de ensino e observar como estes se estabelecem como ferramenta de integração social. É preciso capacitar os aprendentes a (re)construir os significados atribuídos a essa realidade e a essa relação (ANTUNES, 2007).

Na possibilidade de uma prática de ensino mais focada num conhecimento prévio, até os aprendentes podem se aproveitar do processo, ou seja, como parceiros do ensino e agentes da própria aprendizagem, podem conhecer o funcionamento do próprio cérebro e mudar sua visão sobre aprendizagem ou sobre porque estão na escola. É também uma forma de se criar autonomia e autogerenciamento da informação em conhecimento.

Para muitos deles ainda, o espaço da escola é igual a um parque de diversões: serve para mil socializações menos estudar. E por quê? Porque encontram um cotidiano escolar sempre igual: chegar, sentar, copiar, fazer exercícios de fixação e ir embora. Que sentido tem isso? Quase nenhum. E pior, na maioria dos casos, em três ou quatro horas, é chegar, sentar, copiar e fazer exercícios de fixação de duas ou três áreas do saber diferentes e ir embora. Nada disso se relaciona com a aprendizagem em si mesma. Nada se estabelece na memória de longa duração, gerenciada pelo hipocampo e pela amígdala, de forma a mudar comportamento. Não há desafios!

Porém, na medida em que são apresentados aos porquês das suas posturas, atitudes e comportamentos através de determinadas funcionalidades do cérebro ou realizam reflexões sobre os próprios comportamentos e/ou pensamentos (certezas), os aprendentes podem deixar de acreditar que apresentam certas dificuldades (estigma que carregam, muitas vezes, por causa da fala constante dos ‘mais velhos’ sobre eles) e se esforcem por aprender individualmente ou em grupo. Neste momento sim, diante da reflexão e do trabalho em grupo, pode-se articular o cérebro de recompensa. Neste momento sim, pode-se introduzir valores como moral, ética, solidariedade, equilíbrio, respeito e educação para consigo mesmo e o outro.

Os aprendentes não mais se satisfazem em acessar ou agir em processo ‘pré-fabricados’ do começo ao fim. Não são passivos e assíncronos; têm interesses próprios e chegam às escolas já seduzidos por um mundo midiático em diferentes ambientes. A sedução está na possibilidade de reinventar a arquitetura virtual no ambiente educacional, de acordo com um coletivo. A sedução está no nível de sinergia e de interatividade permitidas e incentivadas no período escolar de aprendizado.

Em sala de aula, no envolvimento afetivo, muitas representações se estabelecem e se esclarecem pelos vínculos e vivência no grupo escolar. Ao mesmo tempo ambos contem em si mesmo apropriações emocionais, materiais, psicológicas e culturais diferentes cujo ‘tempero’ (trocas simbólicas e/ou reais) gera novos desafios emocionais e novas aprendizagens conteúdisticas. Há uma sensação de pertencimento.
Do vínculo o que se constrói é o apego. Do apego, um modus operandi em que, mesmo os aprendizados, as relações adaptativas e assimilativas dos sujeitos junto às informações se dão dentro de dinâmicas e estratégias reconhecidas porque já experimentadas (vividas). É quase uma ritualização de lembranças e esquecimentos (memória) em parceria com os elementos constitutivos do patrimônio mnemônico sociocultural. E estes, quando tratados de maneira focada e agradável dão novos significados aos objetivos iniciais de quaisquer práticas de ensino. Ainda assim, na cena pedagógica, ‘sotaques’ geracionais diversos.

Mesmo hoje, na convivência de duas gerações em sala de aula, há uma memória que remete a um passado, muito presente e necessária, e em processo de adaptação; e há uma memória que se processa na relação com o presente, como forma de assimilação. A convergência é pulsante e dá equilíbrio ao desenvolvimento das relações e inter-relações. E a perspectiva é dar significância às proximidades e a cada contato, mesmo reconhecendo as diversidades e respeitando as subjetividades.

Há um mapa mental[1] que só se modifica (por acréscimo) lentamente, ou melhor, com muita reflexão, análise e atenção, porque atinge “... numerosas funções cognitivas humanas: memória (banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos)” (LEVY, 2003, p. 157).

Neste sentido, já não se pode comparar os cérebros com um computador. Neste mundo de convergência intensa e de adaptações não menos radicais, ele (computador) se torna uma mera ‘máquina de escrever sofisticada’ e a Internet, um espaço de acesso mais rápido e fácil de encontro com a informação: se comparado com a capacidade e nas relações complexas ocorridas na memória humana.

Entende-se, aqui, por memória, como a capacidade de reter múltiplas informações e (re)transmiti-las às novas gerações através de diferentes suportes empíricos e hipertextuais, como voz, música, imagem, texto etc. Ela é um identificador do patrimônio cultural de cada um ou do coletivo e é também um fator extremamente importante do sentimento de pertença de uma pessoa em um grupo como maneira de reconstruir-se.

Ainda assim, com o tempo, a memória torna-se livre e fortemente seletiva. Seu trabalho de organização das informações, documentos de uma época, torna-se mais exigente e menos propensa a especulações e probabilidades de uma cultura em ascensão. Esta exigência (quase resistência) é que vai distinguir formas de apropriação das duas gerações que se conectam no século XXI.

Contemporaneamente, a facilidade e rapidez dos meios de comunicação muito relacionados às influências das tecnologias informáticas estabeleceram um aumento das informações cujo acesso pode ser feito em diferentes suportes. Este volume de informações aumentou o nível de ansiedade humana quanto ao consumo de informação. Os professores são afetados por este movimento acelerado e se sentem dissociados, no sentido de perceberem que, apesar das suas expectativas, não têm tempo para apreensão real de todas as informações ou mesmo de todas as exigências do novo tempo.

Esta visão ansiosa (ou dissociada) diminui o cuidado seletivo em relação às suas estratégias de ensino, ainda que esteja preso ao movimento de reorganização cognitiva da geração nascida imersa no ciberespaço. Não se deve entender que haja uma forma acrítica de assimilar as informações, de recusar os avanços tecnológicos, ou de desconhecimento técnico, mas deve-se acreditar numa condição mnemônica natural daqueles que nasceram tendo as tecnologias da informática como parte da cultura, e uma condição adaptativa (reflexiva) daqueles que antecederam estas mesmas tecnologias.

Professores têm uma memória sociocultural que os identifica com um determinado tempo, senão pelas ferramentas de que se cerca para empreender aprendizagem, pelo conjunto teórico ao qual tem contato em sua formação profissional. Ambas tornam-se suas marcas intrínsecas. Segundo Stuart Hall (2000), as ferramentas tecnológicas da informática “não são ‘coisas’ com as quais os professores nascem, mas são ‘coisas’ formadas e transformadas no interior / processo de representação e de ensino”.

Toda a questão do diálogo entre Educação e Neurociência, do diálogo entre professor, planejamento e aprendentes, é uma questão de esforço diário para a conquista da qualidade do ensino e de pessoas melhores e mais bem integradas em sociedade. E tudo se dá no cérebro. 

O cérebro é estruturado para ser capaz de processar as informações e assim ser educado. Ele é fiel escudeiro como afirma Relvas (2012). E diante de determinadas dificuldades, se apresenta com ativação compensatória em regiões cerebrais normalmente sem ligação com a própria dificuldade. É um sistema integrado de informações e emoções, cuja excitação provoca alterações em múltiplas regiões.

Psicologia, neurociência e pedagogia juntas visam transformar a prática de ensino pelo conhecimento científico. Questões como o que é importante saber, quem está preparado para ensinar, quem deve ser ensinado e de que maneira inquietam educadores desde sempre ganham força em discussões pedagógicas, palestras e publicações em geral.

Antes de quaisquer rotulações ‘neuro’, o momento da educação é de aproveitamento dos novos conhecimentos sobre o cérebro na prática da sala de aula como mais emoção e liberdade. E, como principio, é preciso rever as teorias da aprendizagem (principalmente Piaget, Vygotsky e Wallon) e alguns temas caros ao campo educacional como prática de ensino, projetos pedagógicos, planejamento e avaliação.

Profª Claudia Nunes


[1] Segundo Ontoria (2004, p.25), “O mapa mental é um recurso que canaliza a criatividade porque utiliza as habilidades a ela relacionadas, sobre tudo a imaginação, a associação de idéias e a flexibilidade [...], é reflexo gráfico e externo do pensamento irradiante e criativo a partir de uma imagem central. [...] representa uma realidade multidimensional”.

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