segunda-feira, 18 de julho de 2016

João Augusto Figueiró, médico: 'Afeto é alimento para o desenvolvimento cerebral'

"Nasci em Cachoeira do Sul (RS), mas saí de lá há 53 anos. Hoje tenho 65. Me formei na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e hoje trabalho na área técnica e científica do Instituto Zero a Seis, que fundei e presido. Meu trabalho é voltado ao desenvolvimento de soluções para a primeira infância e para o período gestacional."

Conte algo que não sei.
É fundamental investir na primeira infância. É o melhor investimento financeiro, porque garante a maior taxa de retorno. Esse é o resultado de 45 anos de trabalho do economista americano James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, em 2000. Para a sociedade, a melhor coisa é investir em desenvolvimento de capital humano do início da vida até o sexto ano, porque aí você consegue maior impacto social e econômico. Os retornos são ainda maiores de 0 a 3 anos. O pesquisador e economista da Universidade Stanford Eric Hanuschek mostrou que 75% do PIB de uma nação resulta de investimentos nesses primeiros anos em processo educativos elementares, como linguagem, matemática, ciências. 

Como os pais podem contribuir para que esses primeiros meses e anos sejam bem aproveitados?
É preciso que saibam que o período de maior interconexão entre os neurônios ocorre nos primeiros 50 minutos de vida . Quanto mais precoce o período, mais importante ele é. Geralmente, as pessoas acham que crianças só têm necessidades quando entram na escola ou começam a falar. Não, porque até ali muita coisa já se construiu. Os primeiros mil dias, desde a concepção, são o período mais importante da construção da vida humana. Depois disso, fica muito difícil, muito caro e pouco eficiente tentar fazer mudanças.

O que é necessário para que uma criança evolua bem?
O cérebro é feito de comida em quantidade e qualidade adequadas. No Brasil, temos 51% das crianças de 0 a 4 anos vivendo sob insegurança alimentar. Essas crianças não têm massa cerebral se constituindo adequadamente. Os resultados estão aí no Brasil que a gente vê.

Qual a importância dos estímulos sensoriais e do afeto?
A criança, mesmo dentro do útero, precisa de estímulos adequados à faixa etária. Eles devem ser de natureza multissensorial. Quando você toca ou massageia uma criança e, ao mesmo tempo, fala com ela e põe um cheiro no ar, você estimula o sistema nervoso, que é a integração de várias áreas. Outra coisa extremamente importante é o convívio, o vínculo afetivo que os cuidadores estabelecem com a criança. Afeto é alimento para o desenvolvimento cerebral e para o desenvolvimento da empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro. A afetividade promove o desenvolvimento de valores morais e promove a evolução ética dos bebês, que se estabelecem nos primeiros 18 meses de vida.

No Brasil, o que dificulta um desenvolvimento infantil de qualidade? Dinheiro ou vontade?
Vontade. A infância é um período da vida humana no qual o individuo não tem voz ativa política e socialmente. Então há uma população de milhões de cidadãos cujos direitos são negligenciados há 516 anos. Esse processo tende a se perpetuar, porque até hoje nenhum governante se ocupou de concretamente executar aquilo que está na Constituição Federal. O artigo 227 diz que é dever da sociedade e do Estado assegurar com absoluta prioridade os direitos da criança. Isso é negligenciado por gestores de todos os âmbitos. 

Como dar um salto na qualidade da educação?
Falta na população em geral a consciência da relevância disso tudo que estamos falando. Como as pessoas não têm ideia de quão impactante isso é na vida de um país, a população também não cobra de maneira incisiva. Então, a informação é o primeiro passo. 

Fonte: Jornal O Globo

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