quarta-feira, 12 de junho de 2013

Autistas encontram espaço no mercado de trabalho corporativo

Alguns chamam isso de diversidade neurológica, outros veem como uma revanche contra o preconceito que sempre cercou os autistas.
 
Expressando a convicção de que "a inovação vem das bordas", a empresa alemã SAP, gigante na área de software, lançou no mês passado uma campanha de recrutamento dirigida para atrair pessoas com autismo a trabalhar como testadores de software.
Thinkstock/Getty Images
Muitos autistas são brilhantes, mas têm dificuldades de
socialização, o que pode ser difícil quando se trabalha
em uma corporação

Uma semana depois, a empresa americana de financiamento Freddie Mac anunciou uma segunda rodada de estágios remunerados, voltados especificamente para alunos autistas ou recém-formados com a mesma condição.
           
As duas multinacionais dizem que esperam aproveitar os talentos únicos das pessoas autistas, como também conceder a elas, anteriormente marginalizadas no mercado de trabalho, uma oportunidade para prosperar no emprego.
 
"Somente por meio da contratação de pessoas que pensam de forma diferente e desencadeiam a inovação, a SAP estará preparada para lidar com os desafios do século 21", disse Luisa Delgado, do departamento de Recursos Humanos da empresa.
 
Para Ari Ne'eman, presidente da Autistic Self Advocacy Network (ASAN), com sede em Washington (EUA), e membro do Conselho Nacional dos Estados Unidos sobre Deficiência, as mudanças são bem-vindas e bem atrasadas.
 
“Precisamos ver a diversidade neurológica da mesma forma como vimos, no passado, os esforços para a diversidade no local de trabalho, com base em raça, gênero e orientação sexual", disse ele.
 
Estima-se que os distúrbios do espectro autista, incluindo a síndrome de Asperger ou autismo de alto funcionamento, podem afetar cerca 1% da população mundial. Os distúrbios são causados ​​por uma combinação de fatores genéticos e ambientais e pode variar de retardo mental grave, com uma profunda incapacidade de se comunicar, a sintomas relativamente leves, combinados com alguns altos níveis de funcionamento, como aqueles observados em pessoas portadoras da síndrome de Asperger.
 
Entre as principais características do autismo estão habilidades de comunicação deficientes e dificuldades de interação social. No autismo de alto funcionamento, recursos como foco intenso ou obsessivo e atenção constante aos detalhes também são comuns.
 
Estas qualidades, dizem os especialistas, bem como uma capacidade de abordar um problema de uma maneira diferente – muitas vezes de uma forma criativa ou contraditória – fazem as pessoas autistas serem potencialmente atraentes como empregados em grandes corporações.
 
"Historicamente, parece haver uma certa percepção de que essa população é incapaz de realizar trabalhos de nível corporativo," disse à Reuters o gerente de diversidade da Freddie’ Mac’s.
 
"Na realidade, autistas oferecem muito a uma organização disposta a pensar fora da caixa e ver este quadro de talentos como um 'valor agregado'”.
 
Obsessão e sucesso
Joshua Kendall, autor do livro "Obsessivos da América", argumenta que alguns dos maiores negócios americanos da história – e também alguns líderes políticos – em parte tiveram sucesso por conta dos traços obsessivos de personalidade.
 
"Essas grandes empresas não estão fazendo por bondade no coração. Estão fazendo isso agora porque perceberam que estavam perdendo alguma coisa”, disse ele em uma entrevista por telefone.
 
Kendall disse que a questão crucial do recrutamento é provar o sucesso e a sustentabilidade dele. E também o  quanto a sociedade vai tentar acomodar pessoas que pensam diferentemente das outras.
"São pessoas que têm sido tradicionalmente rotuladas como deficientes. Então nós queremos tratá-las ou queremos permitir que elas sejam quem são e nos adaptarmos a elas?”
 
A empresa alemã SAP diz que sua campanha global de recrutamento de autistas, que visa empregar 650 pessoas – em torno de 1% de sua força de trabalho – até 2020, vem depois de projetos-piloto de sucesso na Índia e na Irlanda. É um projeto colaborativo com a Specialisterne, uma consultoria dinamarquesa que coloca pessoas com autismo em empregos onde elas possam brilhar.
           
Ne'eman diz que até agora a maioria das empresas que manifestaram interesse nos trabalhadores autistas tendem a ser nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia em matemática. No futuro, ele diz que espera que o sucesso deles incentivem outras a tomar conhecimento sobre o assunto.
 
"Muitos de nós podem e têm sucesso em uma grande variedade de profissões", disse ele.
 
"Eu, por exemplo, sou uma pessoa autista trabalhando em políticas públicas, o que certamente não é um campo estereotipado."
 
Na Grã-Bretanha, apenas 15% dos adultos com autismo têm um emprego em tempo integral, diz Carol Povey, diretora da Sociedade Nacional de Autistas da Grã-Bretanha – apenas uma fração daqueles que poderiam contribuir para o mercado de trabalho, acrescenta ela.
 
Nos Estados Unidos, de acordo com Ne'eman, não tem sido feito estudos sobre a vida profissional de pessoas autistas, por isso dados comparativos ​​não estão disponíveis.
 
"É ótimo ver as organizações não apenas fazendo responsabilidade social corporativa, mas, na verdade, reconhecendo que existe um bom negócio por trás de ter mais autistas no mercado de trabalho", disse Povey.
 
"Essas pessoas vão contribuir para a eficácia e o crescimento do negócio."
 
*Por Kate Kelland

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